Título: Aprovação automática não deve passar de ano
Autor: Lima, Ludmilla de
Fonte: O Globo, 15/10/2008, O País, p. 5

Gabeira e Paes são contra o sistema que está em vigor no Rio, reprovado também por pais, alunos e educadores.

Embora a falta de estrutura e de professores seja entrave para uma educação de maior qualidade no município do Rio, a aprovação automática é hoje apontada por pais e alunos da rede municipal como o grande vilão. Não é à toa que os dois candidatos a prefeito, Eduardo Paes (PMDB) e Fernando Gabeira (PV), puseram o assunto em pauta novamente neste segundo turno, ambos se declarando contra o sistema implementado pelo governo Cesar Maia desde 2000.

Mãe de Marina, de 9 anos, aluna do 2º ano, a auxiliar de cartório Antonia Batista Souza de Oliveira não confia mais nos resultados fornecidos pela Escola Municipal Celestino da Silva, na Lapa. Como outros pais, ela é contrária à medida:

- No ano passado ela estava bem fraca em português, mas tirou nota boa e passou de ano. Mesmo com B+, ela lia com dificuldade, pulava as palavras. Se lendo mal ela é considerada a melhor aluna da turma, imagine os outros - diz a auxiliar de cartório, cujo enteado passou por processo parecido: foi aprovado mesmo sem conseguir ler.

Educador: diferente da filosofia do sistema de ciclos

Segundo o professor da Faculdade de Educação da UFRJ Roberto Leher, a aprovação automática é "o pior dos mundos" para a educação pública. Ele destaca que a medida em curso no Rio é bem diferente da filosofia do sistema de ciclos, que prevê a avaliação continuada dos estudantes.

- O conceito de ciclos foi e é progressista se for pensado como estratégia de avaliação continuada. Mas os governos, em vez disso, implementaram de forma tecnocrática a aprovação automática, que mantém a escola do jeito que está, sem reprovação - critica.

Para Leher, a idéia fundamental dos ciclos é reorganizar o tempo escolar de acordo com as etapas da vida da criança. Para que o sistema tivesse sucesso, explica, seria necessário aumentar o tempo de aula dos alunos para pelo menos seis horas (hoje são quatro horas e meia no Rio), reduzir o número de estudantes em salas de aula, oferecer melhor infra-estrutura, como bibliotecas, e um tratamento individualizado quando a criança apresenta dificuldades.

A recuperação paralela, que ajudaria os estudantes a superar as dificuldades, não funciona na prática, de acordo com Wiria Alcântara, diretora do Sindicato estadual dos Profissionais de Educação (Sepe):

- Não defendemos a política da repetência. Mas o aluno, nesse sistema tão nocivo, tinha uma segunda chance. Agora ele é empurrado. Se aprendeu ou não, isso passou a ser um problema individual.

Ela também ataca a decisão da prefeitura de extinguir os conceitos O (ótimo) e I (insuficiente), o que tornou ainda mais vaga a avaliação. No caso de o aluno terminar um dos três ciclos - cada um com três anos - com o conceito mais baixo (RR, registra recomendações), cabe ao conselho de classe decidir ou não pela reprovação.

A secretária municipal de Educação, Sonia Mograbi, reage:

- Em 2007, a rede reprovou 30.059 alunos (de 727.776). A maior incidência de retenção encontra-se no primeiro ciclo de formação. Não há, portanto, como dizem alguns desinformados, aprovação automática.

Apesar de cursar o último ano do ensino fundamental na Escola Municipal Orsina da Fonseca, na Tijuca, Janderson Juvêncio, de 16 anos, se sente inseguro sobre a própria aprendizagem:

- Com a aprovação automática o aluno não precisa estudar. Chega no fim do ano e passa.

Henrique Luiz, de 17 anos, também no último ano da mesma escola, conta que a aprovação automática gerou um preconceito no mercado de trabalho. Pais dizem que o sistema é desestimulante para os jovens:

- Às vezes os professores são bons, mas o aluno não tem condições de aprender porque falta uma estrutura em casa. Com a aprovação, isso se agrava. Ela é boa para os políticos, mas faz com que os alunos não estudem - opina o advogado Sérgio Alves Barbosa, pai de três filhos em escolas municipais da Tijuca.

A dona-de-casa Izamar Madruga da Costa, mãe de Josué, de 16 anos, aluno do 7º ano, reclama da falta de estrutura da Escola Celestino da Silva:

- A aprovação automática é uma falta de respeito com os alunos. Ele só tem o tempo inteiro de aula duas, três vezes por semana, e a professora de português está de licença. Meu filho está no 7º ano e não tem base.