Título: A crise no bolso das empresas
Autor: Melo, Liana; Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 15/10/2008, Economia, p. 21

De Renner a Oi e InBev, negócios são suspensos ou podem mudar.

O que há em comum entre um computador da Apple, uma cerveja Budweiser e as lojas da varejista brasileira Leader? A resposta imediata seria nada, absolutamente nada. Mas todas têm negócios que, como admitiram ontem, sofreram mudanças ou até foram suspensos por causa da crise global. A crise atingiu a economia real e está afetando os planos de empresas.

Ontem, a rede gaúcha Renner avisou que suspendeu temporariamente a compra da fluminense Leader. O motivo é a "deterioração e agravamento do cenário econômico e financeiro mundial". O Conselho de Administração da Renner cancelou a assembléia de acionistas marcada para dia 20, em que seria votada a aquisição, e a reconvocação prevista para dia 30, "face às atuais condições de mercado". O negócio, aprovado em setembro pelo conselho, seria de R$670 milhões.

As ações da Renner subiram 4,16% ontem. Segundo analistas, a decisão dá uma resposta aos investidores que questionavam se o valor oferecido não estaria alto demais diante das condições atuais de mercado. Na opinião da analista Luciana Leocadio, da corretora Ativa, o valor ficou desatualizado e alto.

Bem longe, em Leuven, na Bélgica, o presidente da belgo-brasileira InBev, Carlos Brito, citou "a volatilidade sem precedentes" no mercado de capitais para adiar o plano de vender ações para ajudar a comprar a americana Anheuser-Busch, dona da Budweiser. Dos US$52 bilhões, US$9,8 bilhões viriam da oferta. Um empréstimo-ponte deve substituir esse financiamento, e a InBev confirmou a intenção dos controladores - três famílias belgas e os brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Hermann Telles e Carlos Alberto Sicupira - de comprar US$1,6 bilhão na oferta.

"Estamos avançando com confiança e esperamos concluir a fusão das duas grandes companhias até o fim do ano, para criar a maior cervejaria do mundo", afirmou Brito, em comunicado oficial.

A PepsiCo. anunciou a demissão de 3.300 funcionários. Decidiu cortar empregos depois que o lucro caiu mais do que o mercado estimava. Para atrair compradores em época de temor de recessão, a Apple reduziu em US$100 o preço de seu modelo de notebook mais barato, para US$999, anunciou o diretor-executivo da empresa, Steve Jobs. Muitos analistas esperavam que o preço caísse para US$899.

Supertele pode ficar cara, diz mercado

Analistas não estranham a reação das empresas, por não ser fácil restaurar a confiança dos agentes econômicos do dia para a noite. Não é à toa que o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Marcos Jank, não descarta a possibilidade de cancelamento de novos projetos.

Rumores de que outros negócios deixem de sair aumentam. É o caso da compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi, formando a supertele.

- Se a probabilidade de o negócio não sair era de 1%, com o mercado assim aumenta para 10%. Algumas pessoas já trabalham com cenário de que o preço vai mudar - diz Alan Cardoso, analista da corretora Ágora.

Ele lembra que a diferença de preço entre as ações das duas aumentou em um mês: de 57% (a mais para a Oi) para 74%. A operação pode ter ficado cara, e a Oi ainda pode ter dificuldades para se financiar no mercado, avalia Cardoso. Com isso, haveria chances de o valor da operação (de cerca de R$12 bilhões) ser reduzido. A Oi informou que "não há nada dessa natureza no horizonte" e que "o negócio obedece a desígnios de longo prazo".

A Petrobras também pode adiar o novo plano estratégico 2009-2013, que seria divulgado este mês. O presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, fala em anúncio "antes do fim do ano".

(*) Com Bloomberg News e agências internacionais

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