Título: Constituição esqueceu a área social
Autor: Falcão, Márcio
Fonte: O Globo, 05/10/2008, País, p. A25
Luta por direitos e conquistas corporativas ainda sobrevive, mesmo passadas duas décadas.
BRASÍLIA
As comemorações, hoje, dos 20 anos da Constituição reacenderam na cena política as discussões sobre a conquista e a execução dos direitos sociais. Na época da elaboração da Carta Magna, o principal entrave entre Executivo e Legislativo tratava da manutenção no texto de aspectos que garantissem ao cidadão direitos e conquistas corporativas, especialmente as questões trabalhistas. Direitos que, dizem especialistas, ao longo dessas duas décadas ficaram em segundo plano diante do esforço do governo para sustentar a política fiscal do país.
Na avaliação do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, o caminho seguido pelos presidentes que assumiram o Palácio do Planalto depois que foi promulgada a Constituição, no dia 5 de outubro de 1988, mostrou a incapacidade de desenvolver uma política fiscal associada a um modelo constitucional de seguridade social.
¿ Houve até retrocesso em alguns direitos sociais assinados pelos constituintes ¿ afirmou Valadares. ¿ Direitos adquiridos, incorporados ao patrimônio do cidadão foram arrancados, como na taxação da previdência, a disparidade entre o reajuste do servidores da ativa e os aposentados, entre outros pontos.
Como mostrou o Jornal do Brasil na edição de segunda-feira, a Constituição Federal vai resistindo, mas não sem mudanças cada vez mais profundas.
O que já mudou
A Carta Magna já recebeu 62 emendas, que alteraram, revogaram ou fizeram acréscimo de texto em nada menos que 117 dos 250 artigos. Deputados e senadores também incluíram outros 25 artigos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que, no dia de sua promulgação, contava com 70 artigos. Ao todo, foram 492 alterações no texto original da Constituição.
As principais áreas modificadas na Carta Magna foram a previdenciária e a financeira. Na previdência, todos os presidentes que assumiram depois da Constituinte, exceto Itamar Franco, apresentaram sugestões. Foram duas grandes reformas da Previdência (em 1998 e em 2003), completadas por leis ordinárias, as quais mexeram substancialmente com a expectativa de aposentadoria dos brasileiros, com o objetivo de reduzir gastos e adaptar o sistema ao aumento da longevidade dos brasileiros ¿ agora, aproximando-se da média de 72 anos.
¿ Estas duas alterações evidenciam a opção feita pelas autoridades ¿ diz Valadares. ¿ Esse tipo de iniciativa representa o perigo de que algumas das conquistas asseguradas há 20 anos sejam retiradas. O cidadão, hoje, portanto, espera e deseja que a economia ande lado a lado com o social. São essas as mudanças e consolidações que o cidadão tanto espera.
Falta de sintonia
Para o deputado Mauro Benevides (PMDB-CE), que foi vice-presidente da Assembléia Nacional Constituinte, a inversão dos governantes que deram luz aos direitos do Estado antes dos direitos sociais, como traz o texto da Constituinte, revela a falta de sintonia dos parlamentares, dos governantes com o propósito dos Constituintes que criaram a chamada Carta Cidadã, que encheu o país de liberdades civis e direitos fundamentais.
¿ A falha existe ¿ comenta Benevides. ¿ Pensamos mais em uma sociedade mais fraterna e mais desenvolvida, por isso o tamanho do texto, que trouxe um caráter regulatório para a Constituição. Mas o importante é que o texto suporta adaptações.
Ao ser informado na época da elaboração da Carta sobre os direitos sociais, o presidente José Sarney receava a sobrecarga de responsabilidades que, em sua opinião, poderia acarretar a ingovernabilidade do país. A advertência candente de Sarney, feita em cadeia nacional de rádio e televisão, teve ampla repercussão junto aos constituintes e à opinião pública. Sarney tentou mobilizar o "Centrão", grupo majoritário na Constituinte formado por uma parcela dos parlamentares do PMDB, pelo PFL (atual DEM), PDS e PTB, além de outros partidos menores, mas acabou derrotado.
Hoje senador pelo Estado do Amapá, Sarney nega o rótulo de que lutou contra os direitos sociais e justifica que seu temor era contra obrigações orçamentárias.
¿ Meu lema de governo foi "Tudo pelo Social", e toda a minha vida lutei pelos direitos fundamentais ¿ explicou Sarney. ¿ O que temi ¿ e aconteceu ¿ foi que criássemos obrigações orçamentárias incompatíveis com nossa capacidade de pagar. O sistema tributário, que enxugáramos, tornou-se essa loucura: reduzíramos a carga a 22%, ela hoje está em 38% e não dá conta do que precisamos. Na convocação que fiz da Constituinte, fui eu que incluí a agenda dos direitos sociais. Está na mensagem.