Título: Para eleitores, agora é uma nova decisão
Autor: Gueiros, Pedro Motta
Fonte: O Globo, 09/10/2008, O País, p. 8

Com 13,18% de votos nulos e em branco no primeiro turno, contra 7,2% de 2004, polarização é acirrada

Pedro Motta Gueiros

Rivais no segundo turno das eleições para a prefeitura do Rio, Eduardo Paes (PMDB) e Fernando Gabeira (PV) vão ter que brigar por uma parcela do eleitorado que cresceu em quantidade e importância. Somados, os votos em branco e nulos da eleição de domingo passado foram 13,18%, contra os 7,2% das últimas eleições municipais. Empenhados em transformar o voto de protesto em confiança, os candidatos têm ainda a missão de trazer os ausentes para o processo. De 2004 para cá, a abstenção subiu de 13,94% para 17,91%.

Os números não servem para explicar o que se passa na cabeça do eleitor. Assim como o emaranhado de idéias e pessoas que andavam em direções opostas, ontem à tarde, no Largo da Carioca, a migração de votos também segue um caminho desordenado.

- Preferi viajar no primeiro turno, mas no segundo vou votar no Eduardo Paes - disse a assistente administrativa Patrícia Fabbri, que, apesar de morar perto da praia, no Recreio, e de ter 35 anos, não acompanha a onda jovem que empurra o candidato do PV. - O Gabeira é liberal demais, isso não dá certo. O Rio está precisando tomar jeito. Acompanho o Eduardo desde que ele era subprefeito da Barra, e ele já fez muito pela região.

Professora troca Paes por rival

A coerência do eleitor obedece a razões pessoais e instransferíveis. Enquanto quatro anos são suficientes para se esquecer em quem se votou, as três semanas entre um turno e outro já são suficientes para causar confusão.

- Votei no Paes para derrotar o Crivella, só que o Gabeira surpreendeu e agora, claro, vou votar nele. Quem sempre votou no Lula vai apoiar o Gabeira - disse a professora Jurema Benac, de 41 anos, contrariando a orientação do PT em apoio ao candidato peemedebista.

O poder de transferir votos é muitas vezes frágil como as convicções dos eleitores. Depois de passar em branco no primeiro turno, o advogado Gilvan Fernandes de Souza decidiu tomar partido.

- Agora, devo optar pelo Gabeira, ele tem um estilo mais de mudança, a tendência é que torne a administração pública mais efetiva. Não votei nele antes porque estava esperando essa posição.

Junto com Gilvan, 5,27% dos eleitores votaram em branco, contra 2,04% em 2004, quando Cesar Maia venceu no primeiro turno. O percentual de votos nulos também cresceu de 5,16% para 7,48% de um pleito para outro. Para a cientista política Lucia Hippolito, a evolução está ligada ao desencanto com a política, que cresce junto com os escândalos de corrupção e a impunidade:

- Mas o segundo turno, com apenas dois candidatos e a reviravolta do Gabeira, vai estimular o eleitor a escolher.

A teoria já teve a comprovação das ruas. No primeiro turno, o relações públicas Lincoln Fernando, 31, renunciou ao seu direito de votar para ajudar ao tio, que estava em campanha para vereador em Mangaratiba:

- Mas, no segundo turno vou votar no Eduardo Paes, porque uma colega me falou que ele vai continuar com os postos de saúde (UPAs). Foi graças a um deles que um familiar dela escapou da morte.

Além do corpo, a saúde do espírito também faz o eleitor sair da insatisfação para a ação. Depois de votar nulo, o representante comercial Miguel Shme, 73, se deu conta que já tinha feito sua escolha moralmente.

- O Gabeira mostrou sua capacidade antes de ser candidato, lá em Brasília - disse, referindo-se ao episódio em que o parlamentar enfrentou o ex-presidente da Câmara, Severino Cavalcanti. - Nunca tenho pensamento de esquerda ou de direita, mas agora tenho um candidato.

Diante das dificuldades em entender os motivos que fazem um eleitor votar branco ou nulo e até mudar no segundo turno, Eduardo Paes admite que sua prioridade é outra:

- Com certeza, meu foco principal não são os eleitores que votaram em branco. Vou me empenhar mais em tentar atrair eleitores de adversários derrotados e do candidato que está disputando o segundo turno comigo, já que ele se qualificou no finalzinho da campanha e ainda precisa mostrar melhor o seu posicionamento e suas companhias.

Assim como Eduardo, seu adversário acredita que a polarização do segundo turno vai reduzir o número de brancos e nulos. Mas, ao contrário do peemedebista, Gabeira está disposto a lutar por esse eleitorado.

- Com o resultado do primeiro turno e a sensação de que, pela primeira vez, está se tentando uma experiência nova, vou trazer pelo menos a maioria desses eleitores descrentes - disse, disposto a dedicar uma parte de seu programa ao segmento. - Vamos fazer uma campanha na internet e na TV mostrando que nulo é o voto da desesperança, mas que a população encontrou um caminho.

O vai-e-vem pelas ruas do Centro sugere que são vários os caminhos. Cada eleitor segue sua convicção enquanto outros insistem em ficar onde estão. Ao contrário dos jovens de outrora, Leandro Nunes de Lira, de 23 anos, só pinta a cara para ganhar a vida como estátua de rua. Desde que ganhou direito de votar, jamais teve candidato. Depois de votar nulo mais uma vez no domingo, não será no segundo turno que o artista de rua vai mudar de posição.

- A opção por anular começou com meu avô, passou para o meu pai e agora sou eu. Desde 16 anos que é zero, zero e está ótimo - disse, sobre o código que usa quando se dá o trabalho de invalidar o voto. - Há eleições que estou em São Paulo ou Minas. Para mim, não muda nada.

Camelô prefere pagar multa

O partido do desencanto está nas ruas de toda a cidade. Ambulante no Largo do Machado, Vinícius Costa Batista, de 32 anos, também não vê, em seu ambiente de trabalho, motivos para crer em alguém.

- Tudo que consegui foi na rua, política não vai resolver nada. Pago aquela taxinha e está tudo certo, há uns seis anos que faço assim e não vou mudar - disse.

Apesar da firmeza com que justifica sua ausência, seu pensamento traz as dúvidas para as quais o candidato do PV espera oferecer respostas.

- Talvez fosse melhor que o Gabeira entrasse, sei que o melhor é votar e escolher, mas não sou eu que vou fazer isso - disse Vinícius.

O distanciamento atravessa gerações. Aos 81 anos, o aposentado Milton Domingues ainda tentou apoiar uma candidata a vereadora, mas admite que o ato de votar está ficando cada vez mais difícil.

- Eu me confundi na hora de digitar, acabei anulando. No segundo turno, nem vou lá. Não conheço os candidatos nem eles me conhecem. Não preciso de nada, de ninguém.

Juntos, os ausentes, os votos em branco e nulos chegam a 30,9%. Embora muitos deles rejeitem a importância do próprio voto, a disputa entra numa fase em que todos eles são decisivos.

COLABORARAM Cláudia Lamego, Cássio Bruno e Gabriel Mascarenhas