Título: Empurrão para construção civil
Autor: Doca, Geralda; Ribeiro, Erica
Fonte: O Globo, 18/10/2008, Economia, p. 31

Pacote vai estimular que empresas saudáveis comprem concorrentes em dificuldades

Geralda Doca e Erica Ribeiro

Opacote para a construção civil que o governo anunciará, provavelmente na próxima semana, preverá uma ajuda entre R$2,5 bilhões e R$3 bilhões, valor estimado por fontes envolvidas nas negociações para ajudar as construtoras a enfrentar o aperto de crédito provocado pela crise financeira. A principal medida será a criação de uma linha de financiamento específica para permitir que uma empresa possa comprar ativos (empreendimentos) de outra com dificuldades de caixa e, assim, evitar que lançamentos sejam adiados e obras, paralisadas. Esses recursos também poderão ser usados em eventuais fusões, aquisições e incorporações no setor. Para isso, o governo deverá mexer novamente no recolhimento compulsório.

Só que, desta vez, a idéia não é mexer simplesmente no percentual dos depósitos que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central, mas forçar as instituições a emprestarem para ser beneficiadas. A decisão de ajudar o setor foi tomada na última segunda-feira, numa reunião entre a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a diretoria da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC), a presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho, e representantes do Ministério da Fazenda e do BNDES.

- A ordem é: empresta primeiro que eu te entrego depois - disse um técnico.

Ele afirmou ainda que a taxa de remuneração da linha de crédito deverá ser de TR mais juros entre 9% e 10% ao ano. O percentual ainda está sendo fechado. Estão em estudo outras fontes de recursos, como o FGTS e a poupança.

A distribuição das captações da poupança é feita da seguinte maneira: 30% são depositados no BC (sendo 20% corrigidos pela TR, mais 6% e 10%, pela Selic); 65% são obrigatoriamente destinados a financiamentos habitacionais; e 5% têm aplicações livres. Segundo essa fonte, as medidas terão caráter temporário, ou seja, a idéia é resolver o problema imediato de falta de liquidez e evitar que alguma empresa quebre. Restabelecidas as condições, a linha deixaria de existir.

Tomás Awad, da Itaú Corretora, explicou que as construtoras nacionais vêm acumulando prejuízos na Bolsa este ano. Entre janeiro e ontem, a paulista Abyara, por exemplo, perdeu 93% do seu valor de mercado; a também paulista Impar perdeu 92% e a pernambucana Agra, 88%. Ele afirmou que a crise está acelerando fusões no mercado, como aconteceu com a compra da mineira Tenda pela paulista Gafisa e o negócio entre a canadense Brascan e paulista Company, anunciado há cerca de três semanas.

Meirelles: volume de crédito caiu este mês

Marcos Valpassos, consultor da Galanto, explicou que o problema começou com a ida de várias empresas relativamente pequenas ao mercado de capitais, impulsionadas pelo desempenho da economia nos últimos anos. Elas se capitalizaram, compraram terrenos e assumiram compromissos com pagamentos futuros. Com as restrições ao crédito adotadas pelos bancos, apareceram as dificuldades de financiamento para honrar os pagamentos.

- Várias empresas já nos informaram que vão reduzir a velocidade de seus empreendimentos - afirmou o presidente da Câmara Brasileira da CBIC, Paulo Safady Simão.

Na avaliação do governo, não faltam recursos disponíveis ao setor de linhas tradicionais para financiar imóveis e obras de saneamento. Até agora, só o FGTS já liberou R$16 bilhões para habitação, mais R$3,8 bilhões para obras de saneamento. Mas falta estruturar um mecanismo para socorrer as empresas. Além de medidas de crédito, deve ser acelerado o plano especial que o governo está preparando para a construção civil. Previsto anteriormente para meados de 2009, a proposta que está sendo elaborada previa modernização das cadeias produtivas do setor, melhoria das habitações no Brasil e aperfeiçoamento da mão-de-obra da construção.

Representantes do setor de construção civil dizem que toda ajuda do governo para garantir crédito será bem-vinda. Mas, para Rogério Chor, presidente da Associação Brasileira dos Dirigentes das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), o governo deveria aproveitar o momento para reduzir a burocracia e incentivar a compra de imóveis como investimento. Chor acredita que em 2009 o setor tende a ter menos lançamentos do que em 2008, como resultado da crise.

- Medidas favoráveis ao crédito serão importantes para que o mercado não se retraia. O sentimento da indústria hoje é que é hora de fazer caixa, o que significa deixar de investir.

O vice-presidente da RJZ/Cyrella, Rogério Zylberstajn, diz que o estímulo ao setor deve acontecer o quanto antes para que não haja o risco de dificuldade maior em 2009. Já o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Material de Construção (Abramat), Melvyn Fox, estagnação do setor afetaria a indústria de material de construção.

De acordo com o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon-Rio), Roberto Kauffmann, diz que o setor tem cem mil empresas no país e a maior parte faz uso de recursos do FGTS e poupança.

-- Este ano, são R$30 bilhões da poupança e outros R$13 bilhões do FGTS. O importante é que em 2009 seja mantido pelo menos o mesmo patamar de recursos em poupança e FGTS.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, disse ontem que houve queda no volume de novas concessões de crédito no país nos primeiros dez dias deste mês, frente a setembro. Segundo ele, caiu a contratação em relação a setembro. Mas, em relação a outubro de 2007, o movimento foi maior.

- Ainda temos volumes elevados e os números ainda são maiores que os de 2007 - disse Meirelles.

COLABOROU: Ronaldo D"Ercole