Título: O futuro repete o passado
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 18/10/2008, O País, p. 3

Política dos candidatos Paes e Gabeira para favelas prioriza projetos de Cesar Maia.

Ajulgar pelas propostas, os dois candidatos a prefeito do Rio afinaram o discurso. A novidade dos programas de Eduardo Paes (PMDB) e Fernando Gabeira (PV) para as áreas carentes da cidade é justamente a falta de novidades. Com pequenas diferenças, ambos defendem a continuação de projetos do prefeito Cesar Maia (DEM), como o Favela-Bairro e os Pousos (Pontos de Orientação Urbanística e Social), e descartam medidas polêmicas, como remoção e uso da força para conter a expansão irregular. Para os especialistas no assunto, Paes e Gabeira ainda devem um programa que represente transformação no cenário das favelas cariocas.

No plano das intenções, a diferença entre os dois se deve muito mais ao perfil ideológico dos candidatos do que a um projeto inovador. Gabeira, por exemplo, inclui as favelas na agenda ambiental do Rio. Para ele, é preciso impedir o crescimento desordenado em direção ao verde da cidade. Paes, que se apresenta como o candidato do presidente Lula, prega a ampliação do PAC das favelas, começando pelos complexos do Lins e da Penha.

Outras diferenças são detalhes. Gabeira, segundo o economista Sérgio Besserman, da equipe do programa de governo, prevê o uso de GPS para marcar os ecolimites (linha separatória entre as favelas e as áreas de preservação). Já Paes, para vencer os desafios que esperam o futuro prefeito nas favelas, insiste nas parcerias com os governos estadual e federal.

- Não vi nas propostas nada de inovador. O Favela-Bairro é um marco, mas é preciso ir além - critica Itamar Silva, coordenador do programa "Direito à Cidade", do Ibase, e morador do Morro Dona Marta.

Segundo o Censo de 2000, mais de um milhão de cariocas vivem em favelas do Rio. Na busca de soluções para melhorar a vida deste imenso contingente de pessoas, os candidatos apostam nas políticas municipais já em andamento, como o projeto Mutirão.

- Como qualquer carioca, o habitante da favela quer proteger o verde. Por isso, defendemos o envolvimento da comunidade com o fortalecimento do Mutirão, que contrata moradores para plantar e preservar - disse Besserman.

Favela-Bairro é unanimidade

Dos os programas em andamento citados pelos candidatos, nenhum é tão unânime quanto o Favela-Bairro. Gabeira e Paes, embora defendam adaptações, contam com o Favela-Bairro 3, cevado pelo dinheiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para tocar obras em favelas da cidade. Para o candidato do PMDB, continuar o programa é obrigação:

- Mas é preciso voltar à concepção original, com equipamentos sociais, planejamento e legalização com parâmetros urbanísticos.

Seja qual for o resultado, outro projeto garantido na próxima gestão é o Pousos, unidades municipais criadas para fiscalizar o cumprimento das regras de construção nas comunidades carentes já implantadas em 18 lugares. Sérgio Besserman, da campanha de Gabeira, é favorável à ampliação, mas teme o risco de enfrentamentos:

- Nas áreas onde o crescimento tem um componente relacionado à ganância empresarial e ao crime, será preciso apoio das forças de segurança. É difícil para um funcionário municipal dizer que não pode construir.

A política de remoções, à exceção de casas erguidas em áreas de risco, é outra unanimidade: nenhum dos candidatos pretende adotá-la.

- Nada disso é novo. Novo seria se eles apresentassem um plano global, em que as medidas de urbanização e contenção do crescimento fossem executadas de forma integrada, e não fragmentada, como ocorre hoje - afirma Luiz Cesar Queiróz Ribeiro, coordenador do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR).

Além de um projeto que pense as favelas em bloco, Luiz Cesar sustenta que as intervenções municipais precisam ser associadas a políticas habitacionais para a cidade, juntamente com um plano gestor de transporte coletivo .

- Se o Rio contar com uma política habitacional para ocupação do solo, isso certamente vai reduzir a pressão do crescimento das favelas - disse.

Itamar Silva reforça as críticas à fragmentação dos projetos pensados para as favelas cariocas. Ele lamenta também o crescente processo de terceirização dos serviços prestados pela prefeitura nas áreas carentes da cidade, cada vez mais entregues à gestão de associações de moradores e outras representações sociais:

- O prefeito precisa exercer o seu poder e parar de delegar. De certa forma, ao fazer isso, ele transfere responsabilidades. Não acho bom nem para a comunidade nem para a prefeitura.

As promessas de campanha também não encantam Mônica Santos, agente comunitária e moradora do Borel (Tijuca). Para ela, os candidatos revelam desconhecimento toda vez que são provocados sobre os projetos para as favelas.

- Falar é fácil, mas conhecer é complicado. Se eles realmente entendessem o que se passa nas comunidades, perceberiam que sentimos a falta de investimentos na área social. Não basta só obras físicas. É preciso investir na educação, nas creches e outros serviços que melhoram a vidas das pessoas - disse Mônica.