Título: O estado ameaçado
Autor: Werneck, Antônio
Fonte: O Globo, 18/10/2008, Rio, p. 19
Já são 17 autoridades e servidores públicos na mira dos matadores de aluguel.
Os assassinatos praticados por pistoleiros no Rio subiram 75% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2007, revelam números da Delegacia de Homicídios (DH), encarregada de investigar crimes como a execução do tenente-coronel José Roberto do Amaral Lourenço, diretor do presídio de segurança máxima Bangu 3-B. Embora o total de homicídios dolosos (quando há intenção) esteja caindo em todo o estado, como demonstra estatística do Instituto de Segurança Pública (ISP), os assassinatos por encomenda praticados por matadores contratados quase dobraram no primeiro semestre deste ano em comparação com o ano passado. Passaram de oito entre janeiro e junho de 2007 para 14 este ano.
Os números impressionam. Apenas no município do Rio, 17 autoridades e servidores públicos - três juízes, sete promotores, cinco delegados da Polícia Civil, um parlamentar da Alerj e um funcionário público - passaram a viver sob proteção após sucessivas ameaças de morte. Desse total, três delegados, uma promotora, um parlamentar e um funcionário público passaram a correr risco de morrer ao iniciarem, por dever de ofício, um combate sistemático às milícias da cidade. As investigações já levaram à prisão deputados estaduais e vereadores do Rio; dezenas de policiais civis, militares e soldados do Corpo de Bombeiros; além da identificação de militares das Forças Armadas envolvidos na prática de inúmeros crimes.
Matadores vêm de outros estados
Informações obtidas pelo GLOBO com policiais da Delegacia de Homicídios revelam que os assassinos - muito deles policiais da ativa ou ex-policiais - estão sendo recrutados em outros estados, como Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Bahia e Espírito Santo, para matar por dinheiro no Rio. Foi o caso descoberto há dois meses pelos agentes da Subsecretaria de Inteligência (SSI) da Secretaria de Segurança Pública do Rio. Monitorando as atividades de milicianos da Zona Oeste, eles interceptaram um contato deles com matadores de aluguel do Espírito Santo, supostamente contratados para assassinar os delegados Cláudio Ferraz, titular da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), e Marcus Neves, titular da 35ª DP (Campo Grande), além de seu chefe de Inteligência, o inspetor Jorge Gerhard.
- Precisamos decidir o que queremos. A sociedade precisa tomar uma decisão, entrar nessa luta. Quando a própria autoridade do estado é vítima de um atentado ou mesmo é ameaçada, chegamos ao limite da barbárie. Não podemos nos acostumar com isso, ficarmos adormecidos. Daqui a pouco estamos sozinhos ou mortos - diz o delegado Cláudio Ferraz.
O inspetor Jorge Gerhard lembrou que a Draco prendeu, em pouco mais de um ano de atividade contra o crime, 215 pessoas, 60% delas ligadas a milícias e a atividades do crime organizado, como tráfico de drogas e assaltos:
- Não é pessoal, é profissional. Estamos lutando contra o crime organizado e como disse o capitão Nascimento (personagem central do filme "Tropa de elite", do diretor José Padilha) nesse caso você tem três opções: se omite, se corrompe ou vai pra guerra.
O assunto é tão grave que o próprio ministro da Justiça, Tarso Genro, deu o tom na semana passada da situação de violência que tem cercado a vida de autoridades do estado que resolveram combater o crime organizado instalado no Rio. Tarso afirmou, ao comentar o assassinato do diretor do presídio de segurança máxima Bangu 3-B, que "o crime foi uma ousadia dentro da barbárie", lembrando que, "ao atacar uma autoridade e matá-la, o crime organizado mostra até onde pode chegar seu grau de violência". O ministro só esqueceu de dizer que, ao investir contra uma autoridade, os criminosos estão ameaçando não pessoas em particular, mas o estado brasileiro como um todo.
O deputado estadual Marcelo Freixo, de 41 anos, presidente da CPI das Milícias na Assembléia Legislativa, entrou para a lista de pessoas ameaçadas depois que um plano foi descoberto para matá-lo. Passou a viver sob escolta de policiais armados 24 horas por dia e a circular em carro blindado. Acostumado a ir à praia e sair com os amigos à noite, perdeu sua privacidade, mudando hábitos:
- Fui obrigado a entrar de sócio num clube porque não posso mais ir à praia. Tudo isso porque estou exercendo meu mandato. Isso é inaceitável num estado democrático. E que isso fique bem claro: não estou fazendo papel de herói, estou apenas cumprindo minha função, meu trabalho.
Apesar das mudanças de hábitos e das rotinas alteradas, o delegado Vinicius George, assessor parlamentar e braço direito de Freixo na CPI das Milícias, afirmou que nenhuma das pessoas ameaçadas pensa em recuar. Pelo contrário:
- A situação de ameaça só reforça que estamos no caminho certo. E, se nos ameaçam, nós dobramos o trabalho; se as ameaças persistirem, triplicamos as ações de combate e investigação. Se algum de nós sofrer um atentado, vamos às últimas conseqüências - disse Vinicius George.
O presidente do Tribunal de Justiça, José Carlos Schmidt Murta Ribeiro, defensor da política de segurança desenvolvida pela Secretaria de Segurança Pública do Rio, afirmou que é preciso, para que a luta de alguns não seja em vão, a participação de toda a sociedade no combate ao crime. Na sua opinião, o combate aos crimes atribuídos às milícias é dificultado pela falta de uma lei que defina o que é milícia.
- A legislação deve tipificar o crime rapidamente para que possamos identificar esse elemento que se chama milícia. Enquanto o crime de formação de milícia não é previsto em lei, os criminosos são julgados por outros crimes. Precisamos urgentemente alterar esse quadro, como também combater diariamente as drogas, que são uma das principais raízes dos problemas da criminalidade no país - afirmou Murta Ribeiro.
Dos sete promotores estaduais ameaçados e sob proteção, um deles - a promotora Márcia Velasco - há sete anos vive juntamente com sua família acompanhada de seguranças armados, após enfrentar criminosos do calibre de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. Recentemente, Márcia Velasco voltou a ser alvo de um plano de milicianos da Zona Oeste. Ela prefere não falar no assunto, mas o promotor Dimitrius Viveiros, coordenador de Segurança e Inteligência do Ministério Público Estadual, confirmou as ameaças contra ela e mais seis promotores.