Título: Argentina não está nem ilhada nem blindada
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Fonte: O Globo, 18/10/2008, Economia, p. 40
Comércio, turismo e montadoras devem ser afetados. País busca retomar crédito externo
BUENOS AIRES. Ilhada, blindada e mais forte que em crises anteriores. Todas as expressões foram usadas pela presidente da Argentina, Cristina Kirchner, para classificar a situação da economia argentina e tranqüilizar a população diante das fortes turbulências financeiras internacionais. No entanto, tudo indica que a economia argentina terá forte impacto para o casal governante nas eleições legislativas de 2009.
O casal Kirchner assegura que a força vem dos superávits gêmeos, o fiscal e o comercial. Mas como todos os gêmeos, os dois saldos favoráveis têm a mesma fonte de alimentação.
O comércio tem sido fortemente favorável para a Argentina desde 2002, como ocorreu com demais exportadores de matérias-primas, especialmente alimentos e petróleo, devido à desvalorização do dólar e à alta dos preços.
O governo dos Kirchner manteve ainda a moeda com uma paridade quase fixa em relação ao dólar. A vantagem cambial aumentou ainda mais o incentivo às exportações e desestimulou as importações com tarifas e medidas compensatórias.
O Estado se apropria de uma parte significativa do saldo comercial. No caso da soja, o imposto é de 35% das exportações e do petróleo, de 60%. Ou seja, o superávit fiscal depende em grande parte de um saldo favorável do comércio de bens, que agora gera dúvidas.
Governo quer usar reservas para pagar dívidas
Em primeiro lugar, se a economia mundial entrar em recessão, a demanda por bens será menor. A menor demanda do Brasil e do México teria efeito mais forte sobre, por exemplo, a indústria automotiva. Além disso, com preços menores, é provável que se reduza a produção de algumas matérias-primas.
Outra forma importante de ingressos tem sido o turismo, beneficiado pelos baixos preços relativos que o dólar artificialmente caro gerou. A recessão nos países ricos, no entanto, levará a uma redução dos turistas.
Desconectada financeiramente do mundo, a administração Kirchner quis transformar o defeito em virtude. Mas parece suspeitar de algo. Às pressas, mobilizou-se para aprovar um orçamento que permita o uso das reservas internacionais para pagar dívida pública, o que hoje é proibido.
Enquanto dizem que é sorte estarem desconectados, os Kirchner fazem esforços quase desesperados para usar as valiosas reservas para voltarem a se conectar. Uma forte ameaça deve pairar sobre a supostamente blindada economia nacional.