Título: E Lula cria o seu Proer
Autor: Batista, Henrique Gomes; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 23/10/2008, Economia, p. 23

Governo autoriza BB e Caixa a estatizarem bancos que estejam em dificuldades.

Pegando mercado e políticos de surpresa, após cinco horas de exposições tranqüilizadoras na Câmara na terça-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, anunciaram ontem a edição da Medida Provisória 443, que permite, na prática, que haja estatização de bancos em dificuldades de operar. Com a MP, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal foram autorizados a comprar, sem anuência prévia do Congresso e sem leilão, participações ou o controle acionário de instituições financeiras privadas com sede no país. Isso inclui não apenas bancos, mas também companhias dos ramos de seguro, previdência e de capitalização.

Assinada na noite de anteontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a MP aumentou imensamente o poder de intervenção do governo no sistema financeiro nacional e é a mais forte direcionada a evitar a quebra de instituições financeiras desde o Proer, lançado em 1995 pelo governo Fernando Henrique, quando o fim da inflação afetou o desempenho dos bancos. Além das instituições financeiras, os dois bancos públicos poderão comprar empresas de atividades relacionadas, como corretoras de valores e financeiras, segundo fontes do mercado e do governo.

Caixa e BB estão autorizados ainda a criar subsidiárias próprias sem permissão do Executivo ou do Congresso Nacional. Atualmente, apenas a Petrobras e a Eletrobrás têm esta permissão entre as estatais.

Embora o objetivo seja permitir a compra de instituições em dificuldades por conta da atual crise financeira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi categórico ao afirmar que a novidade é preventiva e que o sistema bancário brasileiro está em boa situação.

- Não tem banco quebrando. O sistema financeiro brasileiro está sólido, é um dos mais sólidos do mundo. Nada é feito às escondidas. Estamos criando mais uma alternativa - disse o ministro. - O que estamos fazendo é ampliando essa possibilidade, que os bancos públicos não podiam fazer. Portanto estamos aumentando as alternativas para as instituições que têm problemas de liquidez. E ao mesmo tempo aumentamos a concorrência, porque, havendo mais competidores no mercado, a instituição que quer fazer essa alienação terá mais possibilidade e poderá obter um preço melhor.

Na semana passada, além dos instrumentos clássicos, uma outra medida provisória havia sido editada ampliando o poder de fogo do Banco Central (BC), que passou a, em última instância, comprar carteiras de crédito de bancos em dificuldades. Foi redefinido o chamado redesconto, espécie de "cheque especial" dos bancos, que podem se capitalizar com o BC, oferecendo como garantia suas carteiras de crédito, que ao fim do processo poderão ser compradas pela autoridade financeira.

As duas MPs têm como finalidade armar o governo para agir diretamente no sistema financeiro, como tem ocorrido com os Estados Unidos e a Europa. As novas normas, que ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso, dão um grau de autonomia, agilidade e interferência únicos no Brasil. Basta lembrar que a regulamentação da outra MP, a do redesconto, permite, inclusive, que o BC determine congelamento de salários e fim da distribuição de bônus das instituições financeiras socorridas.

A MP de ontem trouxe outras novidades: a Caixa poderá adquirir participações de empresas - com foco inicial na construção civil - e o Banco Central (BC) ficou autorizado a realizar contratos de swap com outros bancos centrais pelo mundo, o que na prática significa uma troca de moedas.

O efeito mais imediato da MP foi levantar a dúvida de que existem bancos com graves problemas, o que justificaria uma alteração legal urgente. O mercado financeiro - que avaliou a MP como positiva, por dar instrumentos iguais aos utilizados pelos governos dos Estados Unidos e da Europa -, acabou recebendo a notícia com temor. Isso ajudou a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) a despencar. No fechamento, a Bolsa caiu 10,18%, aos 35.069 pontos, seu menor nível desde setembro de 2006.

- Onde há fumaça, há fogo. Se o governo não tivesse informações de bancos em má situação, provavelmente não tomaria esta medida neste momento - sintetiza Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.

Mantega afirmou que, talvez, a medida nunca seja utilizada. A MP, em sua opinião, objetiva apenas dar um "conforto" ao mercado, que por si só pode resolver os problemas. Ele disse ainda que a compra de concorrentes pelos bancos públicos poderá ser temporária.

Estrangeiro ganha isenção de IOF

Além disso, no fim da noite de ontem, Lula assinou decreto que zera a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que incide nas aplicações de estrangeiros no mercado de capitais e nos financiamentos externos. A medida será publicada na edição do Diário Oficial de hoje. Operações como negociações de debêntures, de títulos públicos, de moeda estrangeira (como o dólar), de contratos de juros e derivativos feitas por estrangeiros deixarão de pagar 1,5% de IOF, percentual instituído em janeiro passado, quando o governo reviu as tabelas do imposto após a perda da CPMF. A intenção é aumentar a entrada de dólares. Operações como as de debêntures são importantes instrumentos de financiamento de empresas do setor produtivo.

As operações em bolsa (tanto a Bovespa quanto a BM&F) já são isentas de IOF, tanto para brasileiros quanto residentes e estrangeiros. Sobre os investimentos em renda fixa feitos por residentes no Brasil e brasileiros já não incide o IOF. Os financiamentos contraídos no exterior também tiveram a alíquota zerada. Em janeiro, havia sido instituída a cobrança de 0,38% de IOF quando são liquidadas as operações de câmbio de entrada e de saída dos recursos emprestados. A medida vale a partir de hoje.