Título: Linha direta Brasil-EUA
Autor: Duarte, Patrícia ; Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 30/10/2008, Economia, p. 27

Contra crise, BC americano pode emprestar US$30 bi ao país, que daria reais como garantia

Patrícia Duarte e Juliana Rangel

O Banco Central (BC) brasileiro vai ter mais US$30 bilhões à disposição para enfrentar a turbulência internacional. O montante virá de uma linha anunciada ontem pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano), que envolve troca de moedas entre os dois países, conhecida como swap. Isso significa que o Brasil poderá trocar reais por dólares e injetar liquidez no mercado. A medida, que já havia sido fechada pelo Fed com outros nove bancos centrais do mundo, terá validade até o dia 30 de abril de 2009. Mas, ao contrário de outros países, que reduziram seus juros, o Comitê de Política Monetária brasileiro decidiu ontem manter a taxa básica em 13,75% ao ano, após quatro altas seguidas.

A troca de reais por dólares foi permitida pela medida provisória (MP) 443, editada pelo governo na semana passada. Segundo o BC, a operação, se acontecer, será da seguinte maneira: os dólares serão depositados nas reservas internacionais e o equivalente em reais vai para uma conta do Fed, numa cotação que será fechada no dia. A operação não terá juros, nem variação cambial. Na data marcada para fazer as devoluções, será levada em consideração a cotação fechada no início da operação.

- Existe um significado importante neste acordo, que é a inclusão do Brasil, formal, entre as economias que são sistematicamente importantes - afirmou o presidente do BC, Henrique Meirelles, em um pequeno pronunciamento à noite, e sem responder a qualquer pergunta dos jornalistas. - É um reconhecimento importante da qualidade da política econômica implementada pelo Brasil.

No Palácio do Planalto, a avaliação é de que o acordo com o Fed mostra que o Brasil está em outro patamar. Um ministro chegou a dizer que o BC deu ontem uma demonstração de força expressiva na queda-de-braço que passou a travar com o mercado.

Para analistas, linha acalmará mercado

O BC, por enquanto, não definiu se vai usar a linha. Quando foi baixada a MP 443, Meirelles afirmou que a medida tinha apenas um caráter preventivo e que só a usaria em caso extremo. Isso porque o país possui reservas internacionais bastante elevadas, acima dos US$200 bilhões, e o BC a tem usado pouco para dar liquidez no mercado, bastante afetado pela crise. Isso ocorre por meio de leilões de venda direta de dólares, em torno de US$5 bilhões desde a fase mais aguda da turbulência. No mercado, a avaliação é que o Brasil não vai usar de fato a linha do Fed.

- É um valor bastante considerável, uma gordura importante para a política cambial. Provavelmente não será usada, devido ao nível de reservas que o país possui, mas é simbólico porque mostra que o BC tem condições de combater a espiral do câmbio - afirma a economista-chefe do ING, Zeina Latif, referindo-se à escalada do dólar, que chegou a ultrapassar a casa dos R$2,50 durante as negociações diárias.

- Os Estados Unidos costumavam fazer empréstimos-ponte para o Brasil na década de 80. Na época, pediam títulos do governo americano como lastro. Essa é a primeira vez em que o real é a própria garantia da operação - diz o ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas.

Para Cristiano Souza, economista do Banco Real, o anúncio deverá acalmar o mercado de câmbio no Brasil.

- Essa linha serve para dizer ao mercado que o BC tem US$200 bilhões de reservas, uma possibilidade enorme de operações no mercado futuro e mais esses US$30 bilhões que poderão ser usados para conter a volatilidade, se for necessário. Imaginamos que o câmbio pode cair lentamente até chegar a R$2 no fim do ano.

O Fed fechou ontem a mesma linha com outros três bancos centrais de países emergentes: Cingapura, Coréia do Sul e México. São US$30 bilhões para cada um, com prazo igual ao brasileiro. Ou seja, o BC americano acertou que pode injetar US$120 bilhões no mundo. Desde que a crise se agravou, em meados de setembro, o Fed já fechou acordos semelhantes com outros bancos centrais, mas de países ricos. Entre eles, os de Austrália, Canadá e Inglaterra, além do Banco Central Europeu, o segundo mais poderoso do mundo. Estas linhas ultrapassam US$180 bilhões.

Em nota, o BC brasileiro explicou que a nova linha "não implica condicionalidades de política econômica (como os empréstimos do Fundo Monetário Internacional no passado) e será utilizada para incrementar os fundos disponíveis para as operações de provisão de liquidez em dólares."

COLABOROU Gerson Camarotti