Título: FMI muda para fazer empréstimos especiais
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 30/10/2008, Economia, p. 29

Brasil teria direito a sacar US$23 bilhões pelas novas regras. País ajudou a alterar a política da instituição

José Meirelles Passos

WASHINGTON e BRASÍLIA. O Conselho Diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovou ontem a criação de uma nova linha de crédito a países em desenvolvimento que estejam sofrendo contágio da atual crise financeira. Mas estará aberta apenas aos que já possuem políticas econômicas sólidas. Para conceder os empréstimos, o Fundo não vai exigir que os países dêem contrapartidas (corte de gastos públicos, alta de juros e outras políticas tradicionais).

O chamado "Instrumento de Liquidez de Curto Prazo" (SLF, na sigla em inglês) é diferente dos demais, pois o dinheiro pode ser sacado de uma só vez - e não em parcelas.

- Momentos excepcionais exigem resposta excepcional. O Fundo está respondendo rapidamente e de forma flexível aos pedidos de financiamento - disse o diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn ao anunciar a novidade.

Proposta tinha sido feita pelo Brasil em abril

O governo brasileiro comemorou a iniciativa, pois essa linha de crédito tinha sido sugerida justamente pelo Brasil em abril passado - antes do agravamento da crise, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, argumentou que o ideal seria "consertar o telhado quando não está chovendo".

- Foi preciso acontecer essa crise brutal para conseguirmos isso. Seja como for, trata-se de uma inovação muito grande em termos de FMI - disse ao GLOBO o diretor do Brasil no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr., acrescentando que, dessa forma, volta-se às origens da criação do Fundo, "pois essa medida se aproxima do modelo que Keynes defendia naquela época, ao propor que os desembolsos fossem rápidos".

A iniciativa, na verdade, acabou não seguindo totalmente a sugestão brasileira, mas o Brasil decidiu votar por sua aprovação "porque ela ficou muito próxima do que almejávamos", disse o executivo brasileiro. Há duas diferenças básicas entre o que o Brasil sugeriu e o que o FMI adotou.

A primeira é a de que o país necessitado de ajuda poderá solicitar o equivalente a, no máximo, 500% de sua cota no Fundo. Caso o Brasil venha a precisar disso, por exemplo, retiraria até US$23 bilhões. A proposta brasileira era a de que não houvesse um teto para o empréstimo: ele seria de acordo com as necessidades de cada país.

A outra diferença é que o Brasil propôs que o país tivesse de um ano a um ano e meio para pagar o financiamento. O Fundo, no entanto, decidiu que o prazo será de três meses. Mas, ao mesmo tempo, previu uma extensão. Ou seja: no fim dos três meses, o país pode pagar e fazer nova retirada. Cada país poderá fazer isso três vezes ao longo de um período de 12 meses (que começou a ser contado a partir de ontem).

No fim da noite, o Ministério da Fazenda divulgou nota lembrando que a nova linha representa uma vitória do Brasil.

A nova operação foi anunciada depois que Islândia, Hungria e Ucrânia fecharam acordos com o FMI nos moldes antigos, com contrapartidas. A Islândia, por exemplo, obteve crédito de US$2,1 bilhões e teve que elevar juros em 6 pontos percentuais, para 18% ao ano.

A Hungria teve aval para tomar US$15,7 bilhões, e a Ucrânia conseguiu US$16,5 bilhões do Fundo. No entanto, os ucranianos tiveram que adiar as eleições parlamentares a pedido do Fundo.