Título: Artilharia pesada do BC
Autor: Frisch, Felipe; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 24/10/2008, Economia, p. 27

Dólar passa de R$2,50, mas cai após anúncio de venda de até US$50 bi em contratos cambiais.

Em mais um dia de guerra com o mercado financeiro, puxada por muita especulação, o Banco Central (BC) decidiu mostrar suas armas para conter a valorização do dólar e a conseqüente desvalorização do real. Logo pela manhã, depois de a moeda subir 5,96%, para R$ 2,524, o BC anunciou que tem uma artilharia de US$50 bilhões para vender em leilões de contratos de swap cambial. Nestes contratos, a instituição paga ao comprador, no vencimento, a variação do dólar e recebe a dos juros - ou seja, na prática, assume o risco da alta da moeda. A munição é quatro vezes maior do que a utilizada nesta modalidade até então desde o agravamento da crise, na segunda quinzena de setembro. Ontem mesmo, o BC fez dois leilões de swap, no total de US$2,2 bilhões, e vendeu, no mercado à vista, mais US$800 milhões.

Os operadores entenderam o recado: o BC estava disposto a brigar, em vantagem. Com isso, o dólar despencou e encerrou o dia em queda de 3,15%, a R$2,305. Para analistas, a medida é uma demonstração de força e de preocupação do BC em relação à especulação. O governo tem tido dificuldade em conter a pressão no dólar porque não consegue saber quanto as empresas apostaram na queda da moeda americana no mercado futuro, avalia o diretor-executivo de câmbio da NGO Corretora, Sidnei Nehme.

Isso porque nem todas as operações precisam ser registradas na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) ou na Cetip, hoje chamada de Balcão Organizado de Ativos e Derivativos, onde são registrados títulos de renda fixa. Muitas transações em que as companhias apostaram que o dólar continuaria fraco foram registradas no exterior, em paraísos fiscais, diz ele, e hoje é difícil saber quanto as empresas precisam comprar de dólares para liquidar suas operações, ele avalia. Por isso, o dólar sobe mais no Brasil do que em outros países.

- O BC mostrou a ponta da faca. Se fizer bem feito, consegue fazer o dólar recuar bem. E, se a moeda voltar a R$2, essas empresas liquidam suas posições (no mercado futuro) - avalia Nehme. Segundo o BC, as vendas de swap cambial serão efetuadas de acordo com a necessidade e fazem parte da sua "estratégia de mitigação do impacto da crise". Para hoje, o BC já agendou outro leilão de US$1,5 bilhão. Nos últimos dias, as vendas ficavam em torno de US$500 milhões. Bovespa fecha em queda de 3,57%

A queda-de-braço entre BC e especuladores ontem foi bastante intensa. Dirigentes da autoridade monetária passaram o dia em contato com as mesas de negociação das instituições financeiras, dando o recado de que não aceitariam distorções nos preços.

- Desde o início de 1990 eu não via uma oscilação tão forte em tão pouco tempo. A ação do BC foi forte, mas ainda não dá para saber se vai adiantar porque ainda não dá para prever os desdobramentos da crise internacional - afirmou o gerente de câmbio da corretora Souza Barros, Vanderlei Arruda.

O dólar também avançou frente a várias outras moedas no mundo. A libra atingiu sua menor cotação em cinco anos frente ao dólar: US$1,6076, com queda de 1,18%. Na véspera, havia caído quase 5%. O euro recuou 0,10%, para US$1,6852. A rúpia indiana registrou sua menor cotação histórica frente à moeda americana, recuando 1,1%, para 49,825 rúpias por dólar. A queda se deveu à especulação de que o governo pode anunciar mais medidas para minimizar os efeitos da crise global. O dólar só perdeu para o franco suíço e o iene. A moeda japonesa foi cotada a 97,59 ienes por dólar e registrou sua maior cotação frente ao euro desde dezembro de 2002: 123,43.

No mercado de ações, o dia foi ruim. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) passou o dia em queda e chegou a cair 6,74% à tarde, retrocedendo aos 32.706 pontos, nível em que a Bolsa não fecha desde dezembro de 2005. A Bolsa fechou aos 33.818 pontos (nível de junho de 2006), em queda de 3,57%. A queda foi impulsionada, em parte, pelo anúncio de que a Standard & Poor"s, agência internacional de classificação de risco de crédito, colocou a nota dos títulos do governo da Rússia em perspectiva negativa, o que quer dizer que ela pode ser reduzida em até dois anos.

- Nessa hora, colocam todos os países emergentes na mesma caixa, e o investidor sai porque precisa fazer caixa - disse Daniel Cardoso Mendonça de Barros, diretor-executivo da Link Investimentos.

As maiores quedas do dia na bolsa foram do setor financeiro, com destaque para os papéis da BM&F Bovespa, controladora das bolsas, com perda de 11,64%, seguidos pelos do Unibanco, com perda de 9,80%, e pelos do Itaú, em queda de 8,24%. Para o estrategista da Máxima Asset Management, André Segadilha, não há motivo para a queda tão forte da Bolsa e dos papéis das instituições financeiras. Para ele, as medidas recentes anunciadas pelo BC são comparáveis a um "seguro de vida, que ninguém quer usar, mas é bom saber que está ali".

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