Título: Ordem pública será marca
Autor:
Fonte: O Globo, 31/10/2008, O País, p. 3

Prefeito eleito anuncia choque de legalidade e diz que governará para toda a cidade

O prefeito eleito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), está bem-humorado. Quatro dias após o resultado das urnas, repete por onde vai uma coincidência do mundo do futebol. Ontem, ao receber O GLOBO para uma entrevista, não foi diferente. Paes contou que, na semana decisiva do segundo turno, os gols marcados pelos quatro times do Rio, que venceram os jogos do Brasileirão, somaram o número 15 - o número do PMDB. Os cariocas bateram adversários que usavam camisa verde: Goiás, Palmeiras, Curitiba e Ipatinga. Verde é a cor do PV, partido do seu adversário no segundo turno, Fernando Gabeira. Entusiasmado com a coincidência, apesar de o seu time, o Vasco da Gama, correr risco de ser rebaixado para a segunda divisão, o peemedebista disse que vai trabalhar muito e que a ordem pública será uma das marcas do seu governo. Para ele, em áreas como a Tijuca, onde sobra desordem urbana e falta fiscalização, o pequeno delito prolifera. Ao ser perguntado se cumpriria os compromissos da campanha, Paes pediu a um assessor que pegasse uma cópia da página do GLOBO com 83 promessas suas, publicada na segunda-feira. Vinte minutos depois, após ler todos os itens, afirmou que todos serão cumpridos. Paes afirmou também que, assim como a Saúde, as secretarias de Obras, Educação, Fazenda, Urbanismo e Administração serão ocupadas por técnicos. Participaram da entrevista os repórteres Dimmi Amora, Fábio Vasconcellos, Luiz Ernesto Magalhães, Maiá Menezes e Paulo Marqueiro, além do editor da Rio, Paulo Motta.

O senhor foi eleito com três discursos: saúde, união com os governos federal e estadual e ordem urbana. O secretário de Saúde já foi nomeado, e o senhor se encontrou com o presidente Lula. Mas qual é a área da cidade que será prioridade na questão da ordem urbana?

EDUARDO PAES: Toda a cidade. Se você for acompanhar meus primeiros dois anos como subprefeito, eu acho que não ergui nada, só derrubei. Foram dois anos de muita ação. Era uma coisa que precisava na Barra: choque de ordem. É um pouco a situação em que se encontra toda a cidade hoje. Então, vamos agir. Claro que há áreas da cidade que se impactam mais com essa desordem. A Tijuca é uma área que é mal cuidada, e a desordem faz com que você tenha ali pico de violência maior que a média da cidade. Vamos trabalhar integrados com a Secretaria de Segurança. A área do pequeno delito é propícia para o grande. Quem se iludiu achando que eu estava falando de desordem por falar para os mais pobres se equivocou. Os que não votaram e os que votaram (em mim) também pensando nisso. Quero fazer com que a prefeitura preste serviço de qualidade para os mais pobres. Agora, não acho que os mais pobres estejam vinculados à desordem. Quem achou que eu estava fazendo discurso demagógico para os mais pobres, nessa coisa da permissividade com ilegalidade, se iludiu.

A ordem pública será a marca da sua gestão?

PAES: Vai ser uma das marcas, certamente.

O que ficaria subordinado à Secretaria da Ordem? Por exemplo, as subprefeituras serão subordinadas a essa secretaria?

PAES: Não. Os subprefeitos devem voltar a ter o papel que tinham quando comecei, serem de fato representantes do prefeito. Que tenham autonomia, que tenham capacidade de articular na ponta os órgãos, que não sejam a extensão do mandato de ninguém. Ali (Secretaria da Ordem) você vai ter basicamente a Guarda Municipal, todo o pessoal de Controle Urbano. Ainda não tenho certeza se a SMTU estará.

O senhor viu a primeira página do GLOBO com as suas promessas, no dia seguinte à eleição? Pretende cumprir todas as promessas de campanha?

PAES: Sem dúvida. As promessas que assumi, sim. Eu nunca disse que só nomearia servidores. Quando fui secretário de Meio Ambiente, 95% dos cargos foram ocupados por servidores públicos. Acho que é o ideal. Mas em nenhum momento neguei a política. Quem fez isso foi o Gabeira. Ele que dizia isso. Eu quero privilegiar os servidores públicos, mas quero ter a oportunidade de ter secretários políticos. Até porque cheguei onde cheguei ocupando funções assim. Acho que a política bem feita, de maneira adequada, ela é possível. Pega a lista (das promessas, publicada pelo GLOBO, diz a um assessor) lá. Eu assumo todos os compromissos que assumi e falei durante a campanha, e vou cumprir. Eu vou colocar preso na minha parede (promessas publicadas pelo GLOBO). Claro que obstáculos terão que ser enfrentados. Vamos licitar as linhas de ônibus. Aí o Poder Judiciário dá uma liminar, a gente supera, cassa a liminar. Estou falando de problemas que podemos ter, mas vamos enfrentar.

As Apacs estão lá entre as 83 promessas que publicamos no dia seguinte das eleições...

PAES: Eu confesso que fiquei assustado quando li isso. Tinham me dito que a melhor fase de um político era entre a vitória e a posse. Mas não pude viver a experiência...

(Vinte minutos depois, a cópia da lista chega e Paes lê cada item)

PAES: Eu falei em expandir os postos GNV é? Tô igual à Denise (Frossard), que não sabia o que era GNV... Este da nota fiscal eletrônica é fundamental. O Cimento Social pode ser uma promessa que não cumpra. Mas, com adaptações, tudo bem. Que vergonha, eu não tinha visto tudo. Penha eu já consegui ontem.

Vai ser por recurso orçamentário?

PAES: Vai ser ainda por este ano. Já tem uma verba. O que fiz ontem lá no Lula foi já levar tudo pronto. Foi um golaço. Vamos continuar vendo aqui... Tá tudo aqui (na lista). Foi isso mesmo que eu falei. Este negócio do PDT, sobre a guarda, fui com medo de que eles me pedissem para liberar geral. Mas não foi isso que me pediram. Falaram para eu não bater em camelô. Isso é meio óbvio. Fiz com tranquilidade. Então pode colocar (a lista) para cobrar de Paes.

O senhor não tem medo que a crise econômica atrapalhe seus planos?

PAES: Tenho sim. Por isso eu fui lá ontem, em Brasília, dizer: "Ajuda a gente aqui". Mas aí vou ter focos claros. Essa coisa da saúde, trabalhar com muita atenção. E tem essa coisa de sangue novo ali, um prefeito querendo transformações, capacidade de transformação.

O senhor imagina que vai cumprir a meta de construir 15 UPAs em um ano?

PAES: A Saúde é a questão mais emergencial. As pessoas estão sofrendo. Eu tinha mapeado, ao longo do processo eleitoral, algumas áreas mais emergenciais. A gente buscou fazer tudo mapeando áreas de deserto sanitário. Há quinze áreas da cidade - e o Méier e Madureira estão entre elas - que têm mais aprofundamento nesse deserto sanitário. Esse número surge disso. Eu quero poder fazer 15 UPAs (no primeiro ano). O ministro Temporão está disposto a ajudar. No estado, era alugado. Agora eles estão comprando. Esse modelo nós não vamos necessariamente fazer igual ao modelo do estado. É preciso que os secretários sentem, se integrem e vejam como isso vai funcionar.

Já se fala que 2009 será um ano perdido na economia. Estará tudo em compasso de espera devido à crise mundial. Como vai arrumar a prefeitura numa situação de crise?

PAES: Não será simples. Vamos ter que trabalhar para elevar as receitas. Não vou mudar o IPTU, apesar de a planta de valores estar defasada. Eu era vereador quando foi aprovada a última. Na atual administração, o Rio foi a cidade que teve o menor aumento de receitas próprias (IPTU, ISS, ITBI) entre as 26 capitais brasileiras. Tem espaço para aumentar a receita. O problema é que o Cesar foi perdendo apoio popular e se ancorou em algumas coisas para sobreviver politicamente: tratar bem o servidor; maltratar a construção civil, garantindo as Apacs; e não aumentar o imposto.

O senhor falou depois de eleito que ia unir a cidade. Como fazer isso? E como o senhor, um político que começou na Zona Sul, morador da Barra, vai lidar com o fato de 70% dos votos da Zona Sul terem ido para o adversário?

PAES: Quando digo que vou unir a cidade é que vou governar para todo o Rio, para as pessoas que mais precisam de prefeitura. Todos nós sofremos com a ausência ou com a incapacidade da prefeitura quando ela não presta os serviços de maneira adequada. Em nenhum momento da campanha fiz vocalização exclusiva para determinado setor. Quem tiver ilusão, aliado ou adversário, de achar que vou governar só para determinadas áreas da cidade está muito enganado. Em relação à Zona Sul, acho que você tem um fenômeno de 20 dias para cá, porque até o final do primeiro turno você teve um voto útil contra o Crivella claramente, até de amigos meus que disseram: vou votar no Gabeira para tirar o Crivella. Eu desafio qualquer político nos últimos 20 anos do Rio que tenha feito mais cumprir a lei que eu, combatido mais a informalidade que eu, de quantidade de combate à invasão, ao comércio irregular, à ilegalidade.

Queria voltar à questão da Zona Sul...

PAES: Quer saber minha opinião? Eu não entendi nada. Para responder à pergunta: vou governar para toda a cidade. Em relação à postura da área litorânea e das áreas mais nobres da cidade em relação à votação da minha candidatura, eu não entendi nada.

E em relação aos apoios?

PAES: Todos os apoios no segundo turno foram importantes e fundamentais, mas não tinha qualquer tipo de compromisso. Gostaria de corrigir uma coisa aqui: em nenhum momento disse que não teria espaços políticos na prefeitura. Se eu tiver que ter alguns quadros políticos exercendo funções executivas, não vejo o menor problema, desde que sejam competentes, sérios, corretos.