Título: O novo câmbio
Autor: Miriam Leitão
Fonte: O Globo, 25/10/2008, Economia, p. 32

O BC poderá fazer leilões de reservas para exportadoras com outras garantias. A palavra-chave é "pragmatismo", para desfazer o nó que pesa sobre o mercado cambial, mas, no médio prazo, o real continuará mais fraco. A MP 443 permite ao país integrar redes de proteção cambial de bancos centrais. Entre exportadores e consultores, há previsões de queda de até US$40 bilhões nas exportações em 2009.

A medida provisória permitiu que o Banco Central brasileiro faça swap de moeda com outros países. Isso foi incluído porque, no Brasil, tudo que não é explicitamente permitido é entendido como proibido. O Brasil quer ter a porta aberta para o caso de vir a integrar alguma rede de segurança formada por bancos centrais do mundo. Mas uma coisa uma fonte do governo me garantiu:

- Não temos intenção de usar esse mecanismo para rede de integração regional.

Esta semana, o Banco Central fez um leilão de reservas físicas para que os bancos destinem recursos às empresas exportadoras. E deu 30 dias para que o dólar chegue na ponta. Tem gente achando que é tempo demais. O BC aceitou como garantia apenas os global bonds neste primeiro leilão, mas pode fazer outros, com outro tipo de garantia, porque, no governo, se diz que é preciso ter instrumentos pragmáticos para desfazer o problema criado pela escassez de linha de financiamento de exportação, além das turbulências causadas pelos prejuízos com a alta do dólar.

- O problema é que o volume das perdas depende da cotação do câmbio. Mesmo assim, as perdas não são de dimensão a gerar problemas sistêmicos. O impacto é no mercado de divisas, porque as empresas compram dólares para zerar posição, e isso eleva o valor do dólar, que aumenta a necessidade de zeragem - disse uma fonte do governo.

Uma coisa se ouve tanto no governo quanto no setor privado: o dólar será mais alto daqui para diante. A queda do preço das commodities, a tendência de alta do dólar no mundo inteiro e o aumento da aversão ao risco manterão elevada a cotação do dólar.

No setor de exportação e entre especialistas, as previsões sobre quanto o Brasil deixará de exportar no ano que vem oscilam entre US$20 bilhões e US$40 bilhões, com tudo o que está acontecendo agora e o que virá adiante. O olho do nosso furacão acontece nas empresas exportadoras.

- Se as empresas exportadoras não conseguirem sair da situação em que estão, não pagarão suas dívidas e os bancos sentirão o impacto - disse um economista que acompanha com lupa o nó que se forma na economia brasileira, e que tem uma visão pessimista sobre a evolução do problema dos derivativos das empresas. No governo, a convicção é de que as empresas que estavam mais expostas já saíram da situação de perdas sucessivas.

Tudo isso deu um nó na exportação. Mas, mesmo quando tudo isso passar, a realidade do comércio exterior será outra. Na Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a previsão é a de que, com a atual crise e a recessão nos países para os quais o Brasil exporta, o melhor cenário é de uma queda de US$20 bilhões nas vendas externas. O primeiro reflexo já foi sentido pelos exportadores, a queda no preço da matéria-prima. Segundo o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro, de setembro para agosto já houve queda no preço em diversas matérias-primas: alumínio, -8,9%; couro, -16,6%; laminados planos, -4,4%; gasolina, -6,8%; milho, -5%; petróleo, -14,7%.

- Há outros produtos, como celulose e carnes, por exemplo, mas eles são negociados no mercado físico. Esta queda pode ser maior, porque vai ter retração no volume das exportações também - disse Castro.

Outra análise, feita para a coluna pelo sócio-diretor da RC Consultores, Fábio Silveira, prevê uma queda de US$40 bilhões nas exportações em 2009 e um saldo na balança comercial de apenas US$8 bilhões no ano que vem, além de um déficit em transações correntes de 3% do PIB. Para este ano, a projeção dele é de exportações em US$200 bilhões e saldo entre US$20 bilhões e US$26 bilhões. Em setembro, no acumulado dos 12 últimos meses, o saldo da balança comercial está em US$28,7 bilhões, uma queda de 33,4% para o período entre outubro de 2006 e setembro de 2007.

- Isso para um país que teve um saldo na balança comercial de US$46 bilhões em 2006. Se a recessão americana for um pouquinho maior, é provável que a balança comercial zere ou fique negativa já em 2009. O Brasil deveria ter diversificado suas exportações, em vez de depender tanto de commodities - contou Silveira.

O vice-presidente da AEB acha que o primeiro momento da crise acontece agora, com esta falta de liquidez. O segundo virá em 2009, com a recessão. A terceira fase será a cambial.

- Esta fase vai atingir os países emergentes e tudo isso vai reduzir o preço das commodities. Antes, se buscava investimento externo para equilibrar essa conta aqui dentro. Agora, com a crise mundial, não tem crédito e fica mais difícil conseguir investidor estrangeiro. O governo deve deixar de ser otimista. O cenário para 2009 é muito escuro. O governo demorou a usar as reservas e reflexo virá no ano que vem - afirmou Castro.

Para ele, o próximo ano não vai existir para o setor exportador.

- Quando encontro as pessoas eu não sei se desejo um feliz 2010 ou feliz 2011. Porque 2009 você já pode riscar do calendário.