Título: De filho comportado a hábil articulador
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 26/10/2008, O País, p. 28

Gilberto Kassab, um enxadrista não tão bom quanto o pai, trocou as táticas do jogo pela estratégia política.

Ainda pré-adolescente, Gilberto Kassab estudava no tradicionalíssimo Liceu Pasteur, em São Paulo, quando aprendeu a jogar xadrez. Gostava tanto da estratégia que desafiava o pai, o médico e educador Pedro Kassab, considerado jogador de primeira, para algumas partidas na sala da casa onde a família morava, no Alto de Pinheiros. Sempre perdeu para o pai.

- Ele não tem meu nível no jogo - brinca doutor Pedro, hoje diretor do Liceu, onde os sete filhos estudaram. E aprenderam a jogar xadrez.

Quinto de sete irmãos - todos os cinco homens cursaram Engenharia e Economia na USP - Kassab foi daquelas crianças que pouco (ou nenhum) trabalho deram à família. Participava sem reclamar do rodízio imposto pela mãe, falecida há dois anos, para lavar, enxugar ou guardar a louça. Também fazia a feira, lembrança que até hoje o emociona quando circula pelas feiras-livres da cidade.

Nunca fumou nem chegou bêbado em casa. Até hoje não tem hábito de beber. Quando jovem, nunca dormiu fora sem avisar ou mentiu para os pais. Católico, fez primeira comunhão e ia à igreja aos domingos. Foi batizado na Igreja do Calvário num domingo, dia em que buscava as tias mais velhas para almoçar com a família.

Bom de garfo até hoje, devora o que vem pela frente com uma restrição que beira o trauma: agrião. Prefere massa e comida árabe. É viciado em doce, o que aumenta a briga com a balança.

- Ele odeia tanto agrião que, quando era pequeno, esperava até não ter ninguém olhando para esconder as folhas dentro da camisa - lembra o pai.

São-paulino, vivia nos campos do Clube Pinheiros e do Liceu. Era zagueiro, "mas não sei se dos bons", diz doutor Pedro. Kassab faz parte daquela turma de paulistanos que tem no clube a segunda casa. No Pinheiros, conhecido reduto de tucanos paulistas, tinha título de sócio antes de nascer.

Kassab nunca recebeu mesada. O pai e a mãe eram contra o que consideravam assalariamento dos filhos em troca de boa conduta. Entre os irmãos, sempre foi o mais cercado de amigos. Vêm da infância as amizades mais fortes.

Na faculdade, o gosto pela política

O xadrez foi sendo deixado de lado à medida em que Kassab se interessava pela política, primeiro no grêmio das faculdades de Engenharia e Economia, que concluiu na USP. Depois, em 1989, quando assumiu, aos 26 anos, a coordenação da campanha presidencial de Guilherme Afif Domingos, contraparente dos Kassab.

Apontado por amigos e adversários como habilidoso articulador político, o ex-pefelista exerce poder nos bastidores. Evitava o público e se esquivava da imprensa até assumir a campanha pela reeleição, a sua primeira majoritária (é prefeito por ter sido vice de Serra, que renunciou para se eleger governador em 2006).

Kassab iniciou a carreira política em 1993, como vereador em São Paulo pelo PL. Foi eleito deputado estadual e federal, reelegendo-se em 2002 para a Câmara dos Deputados. Como político de bastidores, cresceu no antigo PL, reformando e fortalecendo o partido em São Paulo. Depois de trocar o PL pelo então PFL, em 1995, reordenou diretórios municipais e se cacifou com a cúpula pefelista. Hoje é o principal líder do DEM, sucessor do PFL.

Ganhou a confiança do então presidente do partido, senador Jorge Bornhausen (SC), com articulações como a que culminou na retratação do senador baiano Antonio Carlos Magalhães, em 2003, que acusara Bornhausen de "roubar o partido". Bornhausen pediu a expulsão de ACM. Kassab foi relator do processo, arquivado após o baiano reconhecer a "lisura dos atos" do catarinense à frente da legenda. Chegou a vice de Serra na disputa pela prefeitura por imposição do partido. Serra teria tentado vetar o nome de Kassab, mas cedeu ao descobrir que o futuro vice era um negociador nato.

- Ele sabe prestar atenção, sabe ouvir, o que influencia positivamente na sua capacidade de articulação - diz o pai.

Na primeira campanha majoritária, quando sua vida pessoal foi explorada, tem seguido os conselhos de família de manter a discrição. Ao pai, disse recentemente: "Prefiro não casar a ter certos gêneros de casamento".

- Nunca se deve humilhar ninguém. Não me manifesto a respeito de conversa de baixo nível e desrespeitosa - diz o pai, que se indignou com as insinuações da campanha adversária de que seu filho seria homossexual.

Ele diz que o filho é tão apegado à família que não se ressente de não ter criado seu núcleo familiar.

- Ele se sente como se fosse pai de todos os sobrinhos e não vejo nele frustração. O caminho que ele segue é o da discrição. Respeito a intimidade de todos os meus filhos.