Título: Corrida por pechinchas nas bolsas
Autor: Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 29/10/2008, Economia, p. 21

Expectativa de corte de juro nos EUA e ações baratas fazem NY subir 10,88% e Bovespa, 13,42%

Juliana Rangel*

Aexpectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) reduza hoje a taxa básica de juros dos Estados Unidos, somada aos baixos preços das ações, que atingiram o menor valor em cerca de cinco anos, fez os mercados de todo o mundo terem um dia de euforia ontem. O índice Dow Jones, da Bolsa de Valores de Nova York, saltou 10,88%. Em pontos, o Dow registrou sua segunda maior alta histórica: 889, só perdendo para os 936 de 13 de outubro, logo após o governo anunciar os planos de compra de participações em bancos. Percentualmente, foi a sexta maior alta do índice. O S&P ganhou 10,79%, e o Nasdaq, 9,53%. No Brasil, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), subiu 13,42%, para 33.386 pontos.

- Qualquer um com uma visão de longo prazo e que observe os resultados das empresas e a inflação verá que é um bom momento para comprar ações - disse à Bloomberg News Linda Duessel, estrategista de mercado da Federated Investors.

Matt King, diretor de Investimentos da Bell Investment Advisors, disse à CNN que vários sinais apontam que o mercado "atingiu seu menor nível, ou está próximo". Apesar da alta de ontem, analistas temem que este mês seja um dos piores de Wall Street.

Os mercados asiáticos e europeus também registraram altas significativas. O Hang Seng, em Hong Kong, saltou 14,35%, puxado pela alta de 20% do HSBC. Em Tóquio, o Nikkei subiu 6,41%, com as ações da siderúrgica Nippon Steel e da montadora Isuzu Motors ganhando mais de 20%. Seul fechou em alta de 5,57%.

Bancos e construtoras em forte alta no Brasil

Na Europa, influíram o lucro recorde da petrolífera BP e a compra, pela Porsche, de ações da Volkswagen. Os papéis desta saltaram 81,73%, para 945. Com isso, o DAX, da Bolsa de Frankfurt, fechou em alta de 11,28%. Londres avançou 1,92% e Paris, 1,55%.

- O dia começou com notícias boas vindas da Ásia, onde o câmbio fortaleceu as empresas exportadoras. E o bom humor se confirmava à medida que o mercado ia acordando - disse o economista André Perfeito, da Gradual Corretora.

Por volta de meio-dia, dados sobre a confiança do consumidor americano comprometeram a alta. O indicador caiu para 38 pontos em outubro, contra 61,4 em setembro. Esperava-se leitura de 52. Foi o menor índice da série histórica, iniciada em 1967. Em Nova York, as bolsas chegaram a ficar em terreno negativo. No Brasil, a Bovespa, que havia subido mais de 6% durante a manhã, reduziu seus ganhos para pouco mais de 1%. No entanto, além da expectativa de um corte na taxa dos EUA, a previsão de manutenção dos juros básicos no Brasil - que também pode ser anunciada hoje - fez investidores correrem para comprar papéis a preços baixos.

- Apesar das notícias ruins, os preços estão muito baixos, o que provoca esse rali. Nesse ambiente de volatilidade, a qualquer hora pode acontecer uma recuperação técnica forte, embora não seja possível afirmar se isso é definitivo - disse a analista da Mercatto, Daniella Marques, durante o pregão.

Os papéis de construtoras tiveram bom desempenho na Bovespa. As ações ordinárias (ON, com direito a voto) de Cyrela e Rossi Residencial subiram 33,54% e 10,52%, respectivamente; as da PDG, 15,36%. As preferenciais (PN, sem direito a voto) da Gafisa avançaram 29,53%. Essa alta se deveu às declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que pode anunciar hoje uma linha de crédito de R$3 bilhões para as empresas do setor.

Outro setor com altas foi o bancário, especialmente depois que Itaú e Unibanco anteciparam a divulgação de seus balanços para mostrar ao mercado que obtiveram lucro no terceiro trimestre. Os investidores temiam que as instituições mostrassem perdas com derivativos de câmbio, o que não aconteceu. Com isso, os papéis PN do Bradesco avançaram 13,24%; os do Itaú, 8,85%; e as units (grupos de ações) do Unibanco, 13,91%.

Apesar do alívio, especialistas acham que o mercado continuará operando ao sabor de notícias sobre a crise.

- Vamos continuar olhando o curtíssimo prazo. Amanhã será divulgado o PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos num país) dos EUA, e isso pode estressar bastante - disse Perfeito.

O gerente de análises do Modal Asset, Eduardo Roche, observa que o mercado ainda está sem fluxo. Ontem, por exemplo, a Bovespa movimentou R$4,937 bilhões, abaixo da média do mês de R$5,3 bilhões no mês.

- O volume deve continuar baixo. Não vai ser um rali de recuperação que vai trazer o investidor estrangeiro de volta para o Brasil. Ainda há muito movimento de venda - diz Roche.

Os preços do petróleo fecharam em baixa ontem devido à queda na confiança do consumidor americano e ao recuo no uso de gasolina nos EUA. O barril do tipo leve americano caiu 0,8%, para US$62,73, a menor cotação desde 16 de maio de 2007. Já o do tipo Brent recuou 1,8%, para US$60,29, o menor patamar desde 20 de março do ano passado.

O investidor bilionário George Soros afirmou ontem que a crise deve reduzir a indústria de fundos hedge (no Brasil, são equivalentes aos fundos multimercado) a até um terço do seu tamanho atual. Ele foi um dos primeiros administradores de fundos deste tipo no mundo.

- A indústria vai passar por uma profunda mudança. Acredito que seu tamanho será reduzido entre metade e dois terços.

(*) Com Bloomberg News e agências internacionais