Título: Argentina manda fundos de pensão repatriarem investimentos no Brasil
Autor: Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 29/10/2008, Economia, p. 22

Total, de US$550 milhões, será usado para conter escalada do dólar

Janaína Figueiredo

BUENOS AIRES. Enquanto espera a aprovação no Congresso do projeto de estatização do sistema privado de aposentadoria, o governo da presidente argentina, Cristina Kirchner, exigiu dos Fundos Privados de Aposentadoria e Pensão, ou AFJPs, a repatriação de cerca de US$550 milhões investidos no Brasil. Em reunião com representantes dos fundos, na última segunda-feira, o diretor da Administração Nacional de Segurança Social (Anses, o INSS argentino), Amado Bodou, comunicou a decisão e deu prazo de cinco dias para que as AFJPs tragam de volta o dinheiro.

Ontem, o gerente geral da Superintendência das AFJPs, Sergio Chodos, mostrou-se pouco preocupado com o impacto no Brasil. "Calculo que impacto haverá, certamente. Vai depender deles (dos brasileiros), se estiverem em alta ou em baixa. Mas é um problema deles, que não cabe a mim avaliar", declarou ao jornal argentino "La Nación".

Segundo Chodos, os recursos repatriados serão vendidos no mercado cambial, na tentativa de conter a cotação do dólar. Ontem a moeda voltou a subir, atingindo 3,36 pesos. Nas últimas semanas, a valorização foi de 28 centavos, o que obrigou o Banco Central a reforçar sua intervenção. Desde que foi anunciada a estatização do sistema privado de aposentadoria, o BC argentino injetou mais de US$600 milhões no mercado.

Hoje, o governo Kirchner deve divulgar uma resolução sobre a repatriação dos fundos. Apesar das críticas, ele continua firme na decisão de estatizar os fundos de pensão, que atualmente administram US$30 bilhões e têm cinco milhões de filiados. Ontem, o projeto começou a ser debatido no Parlamento.

- O novo sistema dará confiança à população - disse o ministro da Justiça, Aníbal Fernández.

Para o ministro do Trabalho, Carlos Tomada, "o sistema privado de capitalização só rendeu promessas e fracassos".

A estatização foi rechaçada pela maioria dos filiados das AFJPs, o que deverá provocar uma enxurrada de processos. Ontem, a juíza Carmen Argibay, membro da Corte Suprema de Justiça, admitiu que "é muito provável que (a estatização) vá parar na Corte. Não podemos opinar neste momento, mas certamente vai chegar a nossas mãos".

A estatização das AFJPs aprofundou a preocupação dos argentinos. Os bancos estão em alerta: segundo dados oficiais, no terceiro trimestre deste ano foram sacados US$6 bilhões. De acordo com analistas locais, a iniciativa da Casa Rosada poderia provocar uma fuga de depósitos ainda maior, o que gerará mais pressão sobre o dólar, já que em momentos de turbulência financeira a maioria dos argentinos busca refúgio na moeda americana.