Título: Uma mulher que vai fundo em tudo
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 26/10/2008, O País, p. 29
Filhos falam do fim da união de Marta com Suplicy e das dificuldades que ela enfrenta na política por causa do temperamento
Nas poucas vezes em que se arrisca na cozinha, Marta Teresa Smith de Vasconcellos Suplicy acerta em cheio no risoto de queijo. Com os cinco netos, não chega a deitar e rolar pelo chão, mas espalha brinquedos pela sala e passa horas contando histórias. Grande fã de ópera, assiste a apresentações em DVD. Nunca pularia de bungee jump nem enfrentaria uma montanha-russa, mas, no mar, não tem medo de ir até o fundo, mesmo hoje, aos 63 anos. Vai às lágrimas quando lembra a morte de uma das melhores amigas, Vilma, e fica feliz da vida quando reúne a família na casa onde mora com o atual marido, Luiz Favre. Aos muito íntimos, ela não esconde: é uma mulher apaixonada.
Para o filho do meio, André Matarazzo Suplicy, de 39 anos, Marta só não é uma mãe como outras porque já falou de sexo na TV, defende - mesmo que perca votos - casamento entre pessoas de mesma orientação sexual e optou pela política quando ele e os dois irmãos ainda eram adolescentes. Mas, como outras mães, formou-se psicóloga, casou, separou e casou de novo, gosta de viajar e ler, gasta horas em museus e galerias de arte, toma conta da casa e, com empenho, cuida da aparência.
Faz tempo que Marta não volta a Pinciguaba, praia que começou a freqüentar em 1978, época em que cozinhava para os vizinhos Fernando Henrique e Ruth Cardoso. Ficou feliz quando uma das netas foi batizada de Laura e bate de frente com as idéias que considera conservadoras do irreverente Supla, o primogênito de personalidade semelhante à do avô e pai da petista, Luis Affonso Smith de Vasconcellos, que foi dono de indústrias de papel e cartonagem.
Boatos sobre fim do casamento
De idéias liberais, Marta, como outras mães, já se preocupou que os filhos se envolvessem com drogas, ficou com um pé atrás diante de uma namorada ou outra dos meninos e dividiu com eles um dos momentos mais difíceis de sua vida: o fim do casamento de 36 anos com o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).
André esteve por trás do bilhete de seis linhas que a então prefeita soltou à imprensa para falar do assunto. Era a tentativa (frustrada, sim) de dar o caso por encerrado.
- Achei melhor que ela falasse da separação para que não se criasse muita especulação - diz André, advogado apaixonado por política, pai de Theodoro e Bernardo e o único dos filhos sem vocação para entretenimento, como os cantores e agora apresentadores Eduardo Suplicy, de 42 anos, o Supla, e João Suplicy, 34.
- Até hoje ela se ressente dos boatos que criaram em torno dela e do Luiz (Favre) - conta o filho.
Em meio a tantas especulações, chegou a ser publicado que Favre saíra no tapa com Supla e ouviu-se, em forma de boataria, que Marta comprara um hotel na Argentina para dar de presente ao marido.
- É muito difícil falar da minha mãe sem lembrar que todo mundo só quer saber de ferrar com ela - diz Supla, sem esconder a mágoa que parece comum aos Suplicy quando o assunto é invasão de privacidade.
Num reforço à imagem de mulher sem papas na língua, André diz que vez ou outra a mãe chega a ser ríspida no tratamento com os filhos.
- Às vezes, ela diz coisas duras, de forma ríspida, mas pede desculpas se acha que passou do limite - lembra André, um homem reservado que, muitas vezes, encontra no silêncio a melhor resposta para algumas questões referentes à mãe.
Ex-deputada, ex-prefeita e ex-ministra, Marta não é só contundente com quem tem intimidade. Essa é sua marca, a ponto de considerar ridícula uma pergunta de um repórter ou de dizer a um grande empresário e amigo que trabalha pelos pobres também para que ele e outros poderosos possam continuar vivos. Assim, "na lata".
Num dos episódios infelizes da carreira, aconselhou aos brasileiros que enfrentavam o caos aéreo um "relaxa e goza". Marta já pediu desculpas em público, mas esse é um dos deslizes que a tiram do sério quando retomado na disputa eleitoral. Marta faz análise, e já levou para o divã os reflexos de sua impulsividade.
Paulistana criada nas melhores rodas da cidade, ela costuma dizer que ama São Paulo. Um dos primeiros atos administrativos, quando assumiu a prefeitura foi pegar em balde e vassoura para limpar a sujeira da cidade, num projeto que batizou de "belezura".
Há muitos anos vivendo nos Jardins, Marta estudou no tradicional Colégio Sion, em Higienópolis. Fez francês no Des Oiseaux, estudou psicologia na Michigan State University, formou-se na PUC e concluiu pós-graduação na Standford University. Em 1983, filiou-se ao PT, de certa forma abduzida pelo clima político que invadia a sua casa quando era casada com Eduardo Suplicy.
Na TV, nos anos 80, participou do "TV Mulher", ao lado do estilista Clodovil e da jornalista Marília Gabriela. Escreveu livros sobre sexo. Foi deputada federal e concorreu ao governo do estado de São Paulo em 1998. Ficou em terceiro lugar com 22,51% dos votos e, por pouco, não passou para o segundo turno. Mario Covas teve 22,95%. No segundo turno, apoiou Covas contra Paulo Maluf.
No campo da política, um dos golpes veio com a derrota para José Serra quando tentou reeleger-se prefeita da cidade em 2004. Mas, se tem algo que a família ainda computa como um dos períodos mais desgastantes foi quando Marta enfrentou Maluf.
- Ele (Maluf) ajudou a enraizar esse preconceito contra a minha mãe - diz ele, referindo-se à forma como a chamava: "Dona Marta do PT".
Mais acostumada com a política, ela procura tirar de letra esse tipo de provocação. Marta está mais apaixonada, também, pela política.