Título: Empresas brasileiras sob fogo cruzado nos EUA
Autor: Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 26/10/2008, Economia, p. 39

Papéis das companhias têm 5º pior desempenho na Bolsa de NY

Juliana Rangel

Acrise financeira que ganhou contornos mais graves nos últimos três meses atingiu em cheio as grandes empresas brasileiras com negócios na Bolsa de Valores de Nova York. Os chamados American Depositary Receipts (ADRs, os recibos de ações) dessas companhias tiveram o quinto pior desempenho em um ranking de 29 países com papéis listados no mercado americano. Levantamento mostra que 31 ações brasileiras despencaram, em média, 49,64% nos últimos três meses até o dia 21 deste mês. Sem contar a possibilidade de captar recursos nos EUA, as empresas têm agora menos fôlego para engordar o seu caixa e fazer novos investimentos.

O ranking - que engloba 641 papéis de empresas de diferentes setores - é liderado pela Rússia, com perdas de 61,68% desde que a turbulência internacional começou a se agravar. Em seguida vêm Noruega (-55,81%), África do Sul (-50,29%) e Cingapura (-49,71%). O Brasil está em pior situação do que outras nações do chamado Bric (grupo das principais economias emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China). A Índia ocupa a 18ª posição, com queda de 36,98%; a China, a 15ª, tem perdas de 38,38%. As conclusões são de estudo, feito com exclusividade a pedido do GLOBO, do economista Felipe Casotti, da Máxima Asset.

Casotti explica que os ADRs do Brasil foram afetados também pela forte desvalorização do real, que atingiu 41,3% em apenas três meses. Há uma relação de preços entre os papéis negociados nos EUA e suas respectivas ações na Bolsa de Valores de São Paulo. Com o real valendo menos, o valor em dólar do ADR também cai. Para se ter uma idéia, a Bovespa já recuou 70% em dólar entre 20 de maio, quando bateu a máxima histórica, até 21 de outubro, data de referência da pesquisa. Em reais, a derrocada foi de 46,9%.

Além disso, com o grau de investimento dado ao Brasil no fim de abril, pelas agências classificadoras de risco, as ações brasileiras dispararam. Até 20 de maio, o Ibovespa, índice da Bolsa paulista que reúne a maior parte dos papéis brasileiros negociados nos EUA, subia 15% no ano. A alta superava de longe as de Rússia (7%), México (6,1%) e Índia (-20%).

- Àquela altura, já eram claros os sinais de agravamento da crise, e a gente aqui continuava subindo. Nos EUA, o S&P (índice da Bolsa de Nova York), caía 3,7% - lembra Casotti. - Na medida em que o cenário piorou, vários investidores que ganharam com ADRs brasileiros "realizaram" os lucros (venderam as ações).

Queda de ADR atinge 79%

Outro fator que pesa sobre o país é a concentração de ADRs brasileiros em setores ligados a commodities, como petróleo e minério de ferro. O índice CRB, que avalia o comportamento de 22 tipos de commodities, já recuou 34,95% em três meses. Pelo mesmo motivo, a Rússia - altamente exposta a petróleo e gás - está no topo do ranking de perdas, assim como Noruega e África do Sul.

Para Patrícia Bentes, sócia da Hampton Solfise, especializada em captações de empresas, o mercado de ADRs ficará engessado nos próximos meses, devido ao clima de desconfiança global. E o desafio do Brasil é provar capacidade para sair da turbulência sem maiores arranhões.

- O investidor que comprar ADRs das nossas empresas tem que acreditar que o Brasil está fora do ciclo de crise que está se instalando em EUA e Europa. No ano que vem, o país terá crescimento inercial (impulsionado pela expansão de 2008), mas a dúvida é como se comportarão inflação e desemprego.

Com mais uma porta fechada, as empresas do país terão aumento no custo de captação. Além disso, o dólar mais caro dificulta a compra de matéria-prima e máquinas necessárias para a sua modernização. Patrícia lembra que esse cenário pode provocar a alta dos preços e afetar o poder de compra da população. O processo tem efeitos na inadimplência e, em última instância, provoca demissões nas empresas.

- São variáveis que temos que colocar na equação. Temos que levar em conta a capacidade de governo e BC mitigarem esse processo, com políticas cambiais e de financiamento de projetos do Brasil, para permitir que as empresas continuem com um nível de receita razoável.

Entre as empresas, a Aracruz tem o segundo pior desempenho no ranking geral. Seus papéis caíram 79,54% em três meses.

- O caso da Aracruz é um baque na imagem das empresas brasileiras porque ela era modelo, tinha boa avaliação de risco e práticas exemplares de governança corporativa (bom tratamento ao investidor minoritário). Essa quebra de confiança afeta todas as empresas de primeira linha que têm ADRs lá fora - diz Patricia.

O economista-chefe da Way Investimentos, Alexandre Espírito Santo, teme que o cenário fique ainda pior. Ele evoca as previsões do professor da Universidade de Nova York Nouriel Roubini, para quem muitos fundos multimercado estrangeiros poderão quebrar.

- O Brasil era a principal aposta entre os emergentes. Se ele estiver certo, e espero que não esteja, vamos ter um movimento irracional de zeragem de posições (venda de ativos dos fundos), o que afetará os ADRs.

MONTADORAS DÃO FÉRIAS E DEMITEM NO BRASIL, na página 40

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