Título: Serra surge como o grande vitorioso das eleições
Autor: Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 27/10/2008, O País, p. 27

Reeleição de Kassab credencia governador como principal postulante dos tucanos à Presidência em 2010.

SÃO PAULO. Sem ter o seu nome nem o número do partido nas urnas eletrônicas, o governador paulista, José Serra (PSDB), acabou levando a vitória nas eleições deste domingo. A avaliação é de cientistas políticos consultados pelo GLOBO. Com a vitória do prefeito Gilberto Kassab (DEM) em São Paulo, os pesquisadores afirmam que Serra se consolida como um dos principais líderes do PSDB no país e, ao mesmo tempo, impõe aos petistas mais uma derrota em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, com 8,2 milhões de eleitores. As eleições também podem ter distanciado o governador Aécio Neves da disputa interna tucana pela Presidência.

- As eleições de agora mostram o equilíbrio de forças políticas para 2010. Há um fortalecimento de José Serra e a situação de Aécio fica muito difícil. Ele tomou uma lição - diz o coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa Sobre Democratização e Desenvolvimento (Napdd) e professor da USP, Gildo Marçal Brandão.

"Aécio se meteu no quintal do vizinho"

Para Carlos Melo, professor titular do Ibmec e pesquisador da PUC-SP, o governador de Minas foi um problema que Serra "tirou da bota" com as eleições em São Paulo e Belo Horizonte.

- Aécio não mostrou a força que se presumia que ele tivesse ao não eleger Marcio Lacerda (PSB) no primeiro turno e ainda se meteu no quintal do vizinho, dando apoio a Alckmin, outro grande derrotado nessas eleições municipais - destaca o professor.

O apoio ao ex-governador Geraldo Alckmin, candidato derrotado pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM) tanto nas urnas quanto na disputa pelos tucanos paulistas, vai custar caro a Aécio no rearranjo de forças dentro do PSDB nacional, segundo o cientista político Carlos Melo. Mas, no estado de São Paulo, as fissuras causadas no partido com as bicadas e caneladas trocadas entre alckmistas e kassabistas acabarão sendo remediadas.

- É a cura do poder - explica Melo, falando de cargos e afagos aos perdedores. Para ele, Alckmin não é o "grande derrotado das eleições", porque já teria entrado derrotado na campanha:

- Ele já havia feito a má escolha na corrida à Presidência em 2006, que rendeu uma descapitalização de votos do primeiro para o segundo turno. Deve ter dificuldades para concorrer ao governo do Estado em 2010 pelo PSDB.

O coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e pesquisador do Cesop (Centro de Estudos de Opinião Pública) da Unicamp, Fernando Antonio Farias de Azevedo, concorda com Carlos Melo: o resultado da eleição coloca Alckmin bem longe da disputa à Presidência da República e dificulta sua corrida ao governo estadual.

Para Farias, os destaques deste pleito são a vitória política de Serra e a derrota de Aécio, principalmente pelo mineiro ter entrado na questão paulista. O prefeito Kassab emerge como uma liderança, mas não sai da sombra nem ameaçará o governador de São Paulo.

- É uma liderança subsidiária de Serra.

Mas se o governador Serra ganha, o presidente Lula perde? Os analistas avaliam que Lula não perde nada. A derrota de Marta é de Marta e do PT paulistano, historicamente acostumado a amargar a rejeição do eleitorado. Os petistas paulistas também sempre dificultam a vida de Lula em Brasília.

- O PT tem um piso alto e um teto alto em São Paulo. Quando Marta ganhou, em 2000, foi numa ocasião especial, depois do governo de Celso Pitta - lembra Melo, que continua: - Marta poderia ter ampliado seu teto, poderia ter saído reciclada, renovada dessas eleições. Mas sua campanha cometeu muitos erros. Tem personalidade forte, impositiva, que não desperta empatia de imediato. Nos debates, parecia uma senhora da elite reclamando com os empregados.

O comercial petista em que o locutor pergunta se o eleitor sabe da vida pessoal de Kassab, "se é casado, tem filhos", foi crucial para a biografia da ex-prefeita petista.

- Ela perdeu eleitores de seu próprio campo, que decidiram votar nulo porque ficaram ofendidos - relata o professor Brandão, concluindo: - Isso manchou sua biografia.

"Marta está fora da disputa para o governo paulista"

Farias, da UFSCar, analisa:

- Foi um tiro no pé. Se a idéia era desestabilizar Kassab, isso não aconteceu. Ele se saiu razoavelmente bem e a propaganda levou a discussão para outro campo. O assunto dominou a campanha por duas semanas. Acho que ela está fora da disputa ao governo de São Paulo em 2010, se bem que vários possíveis candidatos não têm o capital eleitoral dela (o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, e o senador Aloizio Mercadante).

Para os analistas, Mercadante carrega as marcas deixadas pelo escândalo dos aloprados da campanha para governador em 2006, quando surgiu um suposto dossiê envolvendo o governador Serra (então candidato, que acabou vencendo a eleição no primeiro turno) e outros nomes fortes do PT.

- A derrota em São Paulo não é ruim para Lula porque o PT paulista é sempre quem causa mais problemas para o presidente na hora de governar com os partidos aliados - avalia Carlos Melo.

O professor Fernando Farias de Azevedo chama a atenção para o perfil conservador do eleitorado paulistano:

- Não é à toa que pessoas como Jânio Quadros, Adhemar de Barros e Paulo Maluf tiveram carreiras de tanto êxito político em São Paulo. A derrota em São Paulo é uma derrota de Marta e do PT paulistano, não de Lula. É um equívoco da mídia dizer que a eleição municipal possui uma lógica nacional. Segundo Azevedo, a população vota preocupada com a cidade, não com as alianças entre os governos.

- Agora, sai de cena o palanque eleitoral e entra em campo a crise econômica. Governador e prefeito que acharem que a crise é coisa só do presidente Lula podem se dar mal. É uma incógnita, mas vai atingir todos os governos, inclusive os estaduais - diz Gildo Marçal Brandão.

Para ele, o comportamento dos políticos durante a crise será determinante para as eleições presidenciais em 2010, assim como a profundidade desta crise. Os procedimentos do governo brasileiro já são foco de debate com a oposição e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tomou a dianteira das críticas. Mas, para Brandão, a tendência, com o acirramento da crise, é que oposição e governo se entendam.