Título: Um bater de cabeças
Autor: Virgílio, Arthur
Fonte: O Globo, 01/11/2008, Opinião, p. 7

Depois da negligência inicial, quando vimos até o Presidente da República procurar minimizar as conseqüências, para o País, da grave crise financeira internacional, ao falar que ela chegaria aqui apenas como simples "marolinha", o Governo finalmente acordou e passou a tomar providências. Diria que estava até indo mais ou menos bem, até a edição da Medida Provisória nº 443, que veio possibilitar a estatização de Bancos sem que houvesse sinal de quebradeira nesse setor. Na verdade, um certo bater de cabeças no Governo, com o Banco Central de um lado e o Ministério da Fazenda de outro. A conseqüência imediata, como se viu, foi o pânico nas Bolsas. Num só dia, dois circuit breaks, para evitar queda ainda mais estratosférica.

A crise é evidentemente grave. E não se sabe até que ponto o governo está preparado para enfrentá-la. Até agora, foi bafejado pela sorte, sem mencionar que, para sua tranqüilidade, muito contribuiu o fato de ter recebido de seu antecessor um país reformado e arrumado e, no campo macroeconômico, não o ter desarrumado - eis aí seu mérito.

Foram seis anos de bonança no mundo, verdadeiro céu de brigadeiro. Esta é a primeira (e colossal) crise que o presidente Lula encontra pelo caminho. Ela não será vencida apenas pelo otimismo alardeado por alguns setores, que parecem enxergá-la com olhos panglossianos. Nem deve ser cuidada, como até aqui, em reuniões fechadas na área do Executivo. Exige participação nacional. É preciso que o governo entenda que o problema é do país e com ele precisa ser examinado. Precisa conversar com o Congresso, não apenas mandar-lhe medidas prontas.

De nossa parte, da parte da Oposição, estamos abertos ao diálogo. Não nos interessa o "quanto pior, melhor". O bem do País está acima de quaisquer possíveis vantagens político-eleitorais.

Fomos, como a Nação, surpreendidos pela MP nº 443, só nos restando, no Congresso, procurar conter seus maléficos efeitos. Com esse propósito, apresentei cinco emendas, que espero sejam acolhidas. Uma, para modificar a redação do art. 1º, de forma a permitir, sim!, ao Banco do Brasil e à Caixa, a constituição de subsidiárias integrais ou controladas, mas "mediante autorização legislativa em cada caso, nos termos do inciso XX do art. 37 e do art. 173 da Constituição Federal, com vistas ao estrito cumprimento de atividades de seu objeto social". Outra emenda acrescenta parágrafo ao art. 2º, estabelecendo que o montante das aquisições realizadas pelo BB e pela CEF não ultrapasse 20% do capital social da respectiva instituição financeira.

Proponho também modificação na redação do art. 2º, a fim de que o Banco do Brasil e a CEF só possam adquirir ou ter participação "em instituições financeiras, públicas ou privadas, sediadas no Brasil", ficando excluídas empresas como as de capitalização e as dos setores previdenciário e securitário. Segundo o art. 173 da Constituição, "a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei". Ora, não existe qualquer situação que justifique a indispensável e urgente participação do Estado no extenso rol de atividades incluídas no texto original.

Outra emenda modifica a redação do § 1º do art. 2º, a fim de tornar obrigatório procedimento licitatório, em vez de simples "consulta simplificada de preços", no caso de contratação de empresas avaliadoras especializadas.

Por último, proponho a supressão dos art. 3º e 4º. O 3º permite qualquer forma de aquisição de ações ou participações societárias previstas em lei, sem impor qualquer limite à realização de negócios jurídicos. O 4º determina a criação de uma subsidiária da CEF para comprar ações de construtoras do setor habitacional, conforme admitiu o ministro Guido Mantega. O setor imobiliário é um dos pólos mais dinâmicos da economia brasileira. E há enorme diferença entre estimular as atividades do setor e socorrer empresas com dificuldades em função, por exemplo, da compra de terrenos supervalorizados. Essas empresas não precisam de "salvação", mas de liberação de créditos a juros mais baixos. Além do mais, hoje, a Caixa é, também, fiscal das construtoras. Virando sócia, seria bizarro e nada ético passar a ser fiscal de si mesma.

Essas emendas ao menos aparam graves arestas da infeliz Medida Provisória 443.

ARTHUR VIRGÍLIO é líder do PSDB no Senado Federal.