Título: Preço de coalizão do PMDB vai ficar caro
Autor:
Fonte: O Globo, 02/11/2008, O País, p. 10

Entrevista : Leonardo Avritzer

Para professor, partido cresce heterogêneo e sem candidato à Presidência, e sucessão continua entre PT e PSDB.

Cientistas políticos gostam de contar com o tempo da História antes de analisar fatos e conseqüências. Professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais, Leonardo Avritzer quebrou a tradição. Participante do 32º Encontro Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), encerrado quinta-feira, em Caxambu (MG), projetou para o futuro os resultados das eleições municipais. Para ele, não é preciso esperar para ver a vitória e o fortalecimento do PMDB que, segundo ele, cresce com contrastes, "heterogêneo e incapaz de apresentar candidatura coerente à Presidência". O maior benefício que o PMDB colhe das urnas, diz, será o preço de uma futura coalizão: "Vai ficar mais caro". Coordenador do Centro de Referência do Interesse Público da UFMG, Avritzer diz que as eleições de 2008 esfriaram seu ânimo com a reeleição, pela baixa renovação nas prefeituras e nas Câmaras e pela forte influência dos governadores. Como a maioria dos colegas da Anpocs, aposta na crise como fator decisivo em 2010, mas não acha que a recessão econômica possa arranhar o prestígio do presidente Lula, que deixaria o cargo com a popularidade intacta.

Chico Otavio

O que as eleições representaram em transformação no quadro político do Brasil?

LEONARDO AVRITZER: As eleições expressaram mudanças importantes no sistema político brasileiro. E o PT está entre elas. O partido continua crescendo entre o eleitorado das grandes cidades, mas perdeu influência nas grandes capitais ainda por conta dos efeitos do escândalo do mensalão. O PT enfrentou dificuldades de, uma vez atingido o patamar de 40% da votação, continuar crescendo no segundo turno na direção da maioria absoluta, como ocorreu com Maria do Rosário em Porto Alegre e Walter Pinheiro em Salvador. Faltou capacidade de convencer o eleitorado de classe média que, tradicionalmente, decide na última semana da campanha e, agora, já não vota mais no PT. No passado, os petistas entusiasmavam uma certa classe média progressista, que já não encanta mais. O PT podia até não vencer, mas chegava perto. Essa parece ser a dificuldade do PT pós-mensalão.

A crise do PT é a novidade das eleições municipais?

AVRITZER: Não. A outra novidade é o novo papel do PMDB, muito indeterminado apesar do crescimento. Se o partido se fortaleceu nas grandes capitais brasileiras, sabemos que está longe de superar o grande dilema de ser forte localmente, mas sem grandes candidatos a presidente da República, servindo sempre como partido forte para coalizões. Nada indica que este problema esteja resolvido. O PMDB é heterogêneo demais. Os três candidatos mais importantes, Eduardo Paes, José Fogaça e João Henrique, não eram do partido. Uma vez eleitos, não existe a menor homogeneidade entre eles. E a falta dela expressa a instabilidade de ter candidatos majoritários capazes de agregar o partido. Nem Ulysses Guimarães foi capaz de fazer. Hoje, não aparece no horizonte alguém capaz de agregar. O PMDB cresce com os seus principais contrastes. É heterogêneo e incapaz de apresentar uma candidatura coerente à Presidência. A sucessão continua entre o PT e o PSDB. O que pode mudar é o preço do PMDB frente a uma possível coalizão. Será mais alto.

Como viu o papel dos governadores nas eleições?

AVRITZER: Ainda não estou convencido de que a reeleição ajuda na consolidação da democracia brasileira. Pouquíssimos prefeitos não se reelegeram. Quando se junta isso com uma enorme interferência dos governadores, o problema afeta a capacidade de escolha dos eleitores. O Rio é a cidade onde os governos estadual e federal têm uma influência muito grande. Poucos independentes foram referendados pelo eleitorado. Há, com isso, pouca renovação dentro do sistema político.

Como a ética apareceu na campanha deste ano?

AVRITZER: A eleição passou ao largo da questão. O PT não conseguiu se recompor no campo político ao qual ele pertencia até 2005. Por outro lado, a oposição não se mostrou capaz de se apropriar da bandeira da ética, que ficou em suspenso. Já as formas de controle propostas pela Justiça Eleitoral acabaram sendo derrubadas pelo Supremo.

O senhor se refere à decisão do Supremo sobre o direito de candidatos com ficha suja poderem disputar o pleito?

AVRITZER: Exato. Existe um problema, com diferentes repercussões na sociedade, que é o conceito da presunção de inocência. A questão é mais grave quando entra no âmbito da política. Quando falamos de direitos políticos, as coisas não são tão equivalentes. Quando o Supremo leva o conceito para o campo da Justiça Eleitoral, complica a gestão do sistema político. O problema não é o direito de as pessoas se defenderem. Mas há pessoas já condenadas que estão voltando ao sistema político, podendo repetir os crimes que já cometeram. O Supremo se considera o árbitro em última instância. Ele tem avançado em espaços do Congresso, se apropriando de diferentes dimensões. Evidentemente, é caso para legislação do Congresso, e a maneira como quer impor a presunção de inocência expressa o conceito de autoridade por parte do Supremo.

Como interpreta a denúncia da influência das milícias nas eleições cariocas?

AVRITZER: Há diferentes componentes. No caso do Rio, ainda que o governador Sérgio Cabral tenha tomado a iniciativa, existe um processo de expansão nas áreas onde a milícia atua. De uma atividade encoberta, o crime organizado passou a atuar mais abertamente. Elas tornaram-se mais visíveis nos últimos anos. O caso mais emblemático é o da Carminha Jerominho, que foi eleita quando estava presa. Ou essa vitória demonstra a total desconsideração de parte da população pelo direito, pela Justiça, ou mostra a capacidade enorme de coerção do voto pelo crime organizado. Qualquer que sejam as alternativas, a luz vermelha foi acesa no que diz respeito às relações entre Estado, política e crime organizado.

A campanha de Fernando Gabeira, com a proposta de não sujar a cidade e não comprometer o futuro governo com alianças, representou alguma transformação?

AVRITZER: Pode ser vista sob duas óticas: ele fez um esforço louvável para melhorar as práticas políticas vigentes no país. Outros candidatos, inclusive do PT, acabaram aderindo. Este é o lado positivo. Mas não tenho como deixar de apontar que as alianças de Gabeira são muito tradicionais. Para governar, teria o dilema de buscar a adesão a um campo que não é muito progressista. Poderia ser um novo Saturnino Braga (ex-prefeito que enfrentou um quadro de colapso nas contas da prefeitura), isolado no comando de uma cidade que precisa do apoio dos governos estadual e federal.

Os resultados demonstraram que a influência do presidente Lula no processo eleitoral não foi tão determinante como o esperado. Concorda?

AVRITZER: O governo vai bem se for avaliado com relação à sua performance no caso da economia e das políticas sociais. A popularidade de Lula não me parece que vá variar muito nos próximos dois anos. Será um importante eleitor em 2010. O fato de o PT não ter tido grande desempenho nas capitais se deve mais aos problemas ligados às coalizões locais. A questão que está colocada para Lula e o PT é a amplitude da coalizão que ele será capaz de construir para 2010, já que as principais derrotas do PT este ano estão relacionadas a coalizões muito estreitas.

O senhor acha que a crise terá influência em 2010?

AVRITZER: É muito difícil saber a influência da crise nos próximos anos. O que é possível saber é que, até este momento, o impacto é menos no Brasil do que nos países centrais. Mas, evidentemente, o Brasil será afetado. Provavelmente, ela não atingirá o segundo mandato de Lula, mas é possível que, dependendo de sua intensidade, afete o processo de 2010. A sucessão poderá acontecer num ambiente de recessão.