Título: Aprovação com mais rigor
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 03/11/2008, O País, p. 3

Sistema automático nas escolas é criticado no Rio, mas especialistas são contra seu fim.

A aprovação automática, cujo fim já foi anunciado pelo prefeito eleito do Rio Eduardo Paes, é quase uma unanimidade entre os especialistas em educação, que aprovam o sistema. Alheios ao clamor popular e da recém-concluída campanha municipal, eles alertam que o problema está na forma como o mecanismo foi adotado no Rio.

O fim da aprovação automática virou pleito dos eleitores. Assim como Paes, seu adversário no segundo turno, o deputado federal Fernando Gabeira (PV), também previa a extinção da chamada progressão continuada. E a origem da revolta está na constatação de que alunos são aprovados sem saber conteúdos mínimos. Há casos de crianças de 9 anos que mal conseguem ler, mas tiram notas boas.

- Há um engano muito grande na implantação dos ciclos. A idéia não é que fosse aprovação automática, mas progressiva. Ao invés de ser reprovado porque não obteve notas boas em metade dos conteúdos, o aluno avançaria e, no ano seguinte, continuaria do ponto onde parou - diz Regina Vinhaes Gracindo, professora da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Conselho Nacional de Educação.

A coordenadora do programa de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Maria de Salete Silva, vai na mesma linha. Segundo ela, os ciclos acabam com a camisa-de-força do ano letivo, isto é, impedem que um aluno de 7 anos seja reprovado na 1ª série porque seu ritmo de alfabetização é mais lento.

Ao contrário do indica o senso comum - e da realidade nas escolas municipais do Rio -, o sistema de progressão continuada pressupõe avaliações mais intensas. A idéia é que os professores descubram os pontos fracos dos alunos a tempo de corrigi-los durante o ano, com aulas de reforço fora do horário normal.

Desafio é ensinar filhos de analfabetos

O consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Célio da Cunha, defende maiores investimentos nas escolas para que elas sejam capazes de cumprir a tarefa de ensinar:

- Sou contra o aluno ser promovido sem que tenha o domínio do conhecimento previsto para a série. Mas sou contra também o aluno não aprender e a escola se omitir em relação ao problema. Para o coordenador dos cursos de pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Romualdo Portela, o poder público tem que oferecer condições de aprendizagem a toda a população, o que exige mais da escola. Afinal, o desafio é ensinar crianças pobres, filhas de analfabetos.

- É comum haver uma grita muito grande de professores, pois os ciclos evidenciam a dificuldade da escola em trabalhar com essas populações. Se a culpa é do aluno, como no sistema tradicional, a escola vai bem, obrigado. Quando a criança fica na escola e não aprende, a discussão muda de lugar - afirma Romualdo.

O ensino fundamental dura nove anos nas escolas municipais do Rio. Os alunos não correm risco de reprovação ao final de cada série. Isso porque os nove anos foram divididos em três ciclos, cada um com duração de três anos. Dentro dos ciclos, não há reprovação. Os estudantes só podem ser retidos na passagem de um ciclo para outro. Ou seja, nos 3º, 6º e 9º anos. O primeiro ciclo entrou em vigor em 2000. Ano passado, o modelo foi estendido para as demais séries.

Conselho de classe decide por reprovação ou não

A secretária municipal de Educação, Sônia Mograbi, rejeita o rótulo da aprovação automática. No ano passado, a prefeitura acabou com o conceito insuficiente, que foi substituído pelo RR (registra recomendações). Cabe ao conselho de classe decidir se alunos com RR serão reprovados.

- Ao darmos o acesso a todos na escola pública, devemos ter o compromisso ético e político com a aprendizagem de nossos alunos. Em 2007, foram reprovados 30.059 alunos, o que demonstra que não há aprovação automática - disse Sônia Mograbi ao GLOBO, por e-mail.

A diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe), Wiria Alcântara, sustenta que a maioria das reprovações foi provocada por excesso de faltas, já que existe uma exigência legal nesse sentido:

- O sistema de ciclos é uma proposta progressista, se implementada na íntegra. Só que é muito cara. Não dá para trabalhar com carência de profissionais, turmas superlotadas e sem preparação nem discussão com os professores - afirmou Wiria.