Título: Pastorais desafiam Igreja e defendem camisinha
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 03/11/2008, O País, p. 4

Campanhas de prevenção da Aids com sexo seguro são endossadas por religiosos que atuam em ONGs.

BRASÍLIA. A pregação oficial da Igreja Católica contra o uso da camisinha vem sendo desafiada por padres, freiras e leigos que atuam em pastorais e ONGs. Sem fazer alarde, eles distribuem preservativos para a população vulnerável e portadores do vírus HIV. No trabalho de prevenção, elaboram um material que, até bem pouco tempo, seria impensável vincular a uma entidade ligada à Igreja. "Use camisinha em toda relação sexual, seja ela vaginal, anal, ou oral. Reduza o número de parceiros (as) sexuais", diz um texto do site da ONG Aids: Apoio, Vida, Esperança (Aave), de Goiânia, dirigida pela freira Margaret Hosty, coordenadora da Pastoral da Aids no Centro-Oeste.

Ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e criada em 2004, a pastoral se expandiu nos últimos anos e está presente hoje em 118 dioceses do país. O seu trabalho é acolher os doentes de Aids, dar apoio psicológico e atuar também na prevenção. Até hoje, a Igreja formou cerca de 13 mil agentes de Pastoral da Aids.

Tema aparece em vários panfletos da Pastoral

Tema que ainda é tabu para os católicos, o uso do preservativo aparece em vários panfletos. A Pastoral da Aids criou uma mensagem para ser veiculada em rádios católicas que exorta a prevenção contra o vírus HIV e, ao contrário da posição do Vaticano, que prega a fidelidade, defende o sexo seguro. "Aids não tem cura. Prevenir é o melhor remédio. Evite relações sexuais desprotegidas".

Um dos livretos diz que, atualmente, cresce a consciência de que não basta tratar os infectados: "É preciso chegar antes que o vírus". A Aave, de Goiânia, atende 300 famílias e atua em atividades de educação, psicologia e apoio jurídico aos doentes. A entidade oferece o preservativo, que recebe do Ministério da Saúde.

- Não vejo contradição com os preceitos da Igreja, que sempre pregou que se deve proteger a vida. Temos que prevenir sempre. É nosso dever, como grupo de apoio, oferecer informação correta, mas também o preservativo - diz Margaret Hosty.

Coordenadora da ONG Bem-me-quer, que atua em bairros pobres na periferia de São Paulo, a missionária irlandesa Sarah Helena Regan ajuda a cuidar de soropositivos. Sua organização atende cerca de 200 portadores do HIV. Como outras entidades, a Bem-me-quer participa de mobilizações como o Dia Mundial de Luta contra a Aids, que ocorre sempre em 1º de dezembro. O preservativo também faz parte do trabalho da entidade.

- Quando há eventos como esses, distribuímos camisinha. Em trabalhos de prevenção em escolas, também levamos. Agora, não somos uma entidade que distribui preservativo, mas que leva informação sobre prevenção e acolhe doentes pobres - diz Sarah.

O padre Valeriano Paitoni, do Instituto dos Missionários da Consolata, de São Paulo, coordena três casas de apoio e cuida de infectados que são filhos de mães portadores do HIV. Nas três unidades do instituto, são atendidas 28 crianças e jovens e, cinco deles já completaram 18 anos. Para ele, a prevenção é fundamental.

- A Igreja Católica diz que a verdadeira prevenção está nos valores evangélicos. Mas a postura de uma igreja ou religião, qualquer que seja, não pode prevalecer sobre o bom senso - diz Valeriano.

Nem sempre o material da Pastoral da Aids teve postura liberal em relação ao tema. Num livreto, o poema "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade - "João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim..." - virou: "Há vinte anos a Aids põe em risco a vida de João, que põe em risco Teresa, que põe em risco Raimundo, que põe em risco Maria, que põe em risco Joaquim.".

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