Título: Gilmar: terrorismo também é crime imprescritível
Autor: Freire, Flávio; Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 04/11/2008, O País, p. 9
Presidente do STF reage a Dilma, que dissera que tortura não prescreve, e critica "ideologização" dos direitos humanos.
SÃO PAULO e BRASÍLIA. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, pediu ontem cautela na discussão sobre a prescrição dos crimes de tortura cometidos durante o regime militar. Ao responder sobre a recente declaração da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, de que esse tipo de crime deveria ser imprescritível, o ministro afirmou que o tema dos direitos humanos se presta a ideologizações e politizações e, por isso, trata-se de uma questão "com dupla face".
- A imprescritibilidade é uma discussão com dupla face. O texto constitucional diz que o crime de terrorismo também é imprescritível - disse ele, ontem, durante seminário organizado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, pela Fundação Getulio Vargas e pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso.
- É evidente que esse tema de direitos humanos se presta a ideologizações e politizações, e tenho uma posição muito clara em relação a isso. Eu repudio qualquer manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente os casos de direitos humanos. Direitos humanos valem para todos: presos, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade a determinadas pessoas que tenham determinada atuação política. Direitos humanos não podem ser ideologizados - disse.
Dilma deu a declaração ao ser perguntada sobre o fato de a Advocacia Geral da União (AGU) ter emitido parecer no qual considera perdoados pela Lei de Anistia os crimes de tortura cometidos entre 1964 e 1985, em ação civil movida pelo Ministério Público Federal contra os coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, ex-comandantes do DOI-Codi, principal centro de repressão política em São Paulo.
O presidente do STF também se manifestou sobre o documento da AGU:
- Não conheço todos os dados postos. Mas é claro que não é dado ao advogado-geral da União fazer escolhas quando imputam responsabilidade nas ações à própria União. Tem que fazer a defesa do ato, a não ser que seja evidente a responsabilidade da União ou a responsabilidade de quem é acusado.
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que o parecer da AGU é irrelevante, já que o STF terá que julgar antes uma ação ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Perguntado sobre a ameaça do secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, de deixar o governo caso a AGU não reveja o parecer, Jobim respondeu:
- O assunto é de competência da AGU. A revisão ou não do parecer é irrelevante. Relevante é a posição que terá que ser tomada pelo Poder Judiciário, e essa decisão não está no bojo desta ação (do MPF contra Ustra e Maciel), e sim da ação ajuizada pelo Conselho Federal da OAB.
Defensor da anistia a torturadores, Jobim, que chefia as Forças Armadas, ainda comentou:
- O que vai ser decidido pelo Supremo não é se alguém é a favor ou contra torturados ou torturadores. A questão é saber se o grande acordo político da transição na década de 70, que deu origem à anistia, deve ser revisto interpretativamente ou não.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, sinalizou que a AGU deverá rever o parecer que sustenta que a Lei de Anistia livrou de processos judiciais militares envolvidos em tortura durante a ditadura, como antecipou O GLOBO ontem. Tarso evitou dar detalhes sobre o assunto.
- Essa correção deverá ser feita de maneira técnica - afirmou Tarso. - O parecer foi elaborado de forma profissional e técnica, definido pela AGU.
De manhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, que saiu sem dar declarações.
Doze dias após a contestação da OAB, o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou ontem pedido de informações para que o presidente da República e o presidente do Congresso Nacional, Garibaldi Alves (PMDB-RN), se pronunciem sobre a ação que questiona os efeitos da Lei da Anistia. Lula e Garibaldi têm cinco dias para responder. Segundo nota divulgada ontem pelo STF, ouvir essas autoridades é um "procedimento habitual e previsto na legislação". Após as respostas dos dois, o processo segue para o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza.