Título: Acordo foi fechado em jantar com champanhe
Autor: Oliveira, Germano
Fonte: O Globo, 04/11/2008, Economia, p. 24

Executivos assinaram documento em meio a confraternização familiar. Lula foi avisado de acordo no aeroporto

SÃO PAULO e BRASÍLIA. A reunião que bateu o martelo sobre a maior fusão de bancos do Hemisfério Sul, ocorreu domingo à noite na casa de Israel Vainboin, ex-presidente do Unibanco, com direito a um grandioso jantar e champanhe. Foi uma festa, com brinde e tudo. E foi mais do que a assinatura do maior negócio bancário da história do país. Além de Roberto Setubal, presidente executivo do Itaú, e Pedro Moreira Salles, presidente executivo do Unibanco, estavam lá para a assinatura do contrato quatro diretores do Itaú e quatro do Unibanco. Pedro e Roberto, com Israel de mediador, são mais do que banqueiros. São amigos íntimos. Um freqüenta a casa do outro, com as esposas e amigos comuns. Além das famílias, amigos e colaboradores. O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, presidente do Conselho de Administração do Unibanco, também estava lá. Mas até sexta-feira, apenas os presidentes executivos das duas instituições sabiam dos detalhes do acordo.

O prédio onde fica o apartamento de Vainboin, no bairro mais sofisticado de São Paulo, ficou cercado por seguranças. Afinal, um negócio que envolve ativos de R$575 bilhões, não é feito todo dia. As duas empresas custam entre R$80 e 90 bilhões. Roberto Setubal revelou ao GLOBO ontem detalhes do jantar na casa de Israel:

- Na casa do Israel teve champanhe, estavam lá várias pessoas da minha família, da família Villela, várias pessoas da família Moreira Salles. Era clima de grande entendimento, grande harmonia e de grande alegria.

Compra do Real pelo Santander apressou acordo

A fusão começou a ser conversada há 15 meses, mas há mais de dez anos Roberto e Pedro alimentam esse sonho, acalentado por seus pais, os diplomatas Olavo Setubal e Walter Moreira Salles, já falecidos. As conversas que resultaram na fusão tiveram a participação de Olavo Setubal, pai de Roberto, quando ainda estava vivo (Olavo morreu no fim de agosto). Há sete meses, porém, as negociações se intensificaram, com os dois grupos pressionados pelo desafio de enfrentar o Santander, que entrou forte no Brasil com a compra agora do Real.

Para facilitar o negócio, Olavo Setubal, já doente, abriu mão da presidência do Conselho de Administração, para deixar a vaga para Pedro Moreira Salles no novo negócio. Isso facilitou a operação gigantesca, que levou à criação da IU Participações, unindo a Itaú Holding e Unibanco Holding. Roberto ficou com a presidência executiva, deixando o conselho de administração para Pedro.

- Pena que o doutor Olavo morreu antes (em 27 de agosto) de ver o fechamento desse negócio, que ele tanto incentivou - disse uma fonte do Itaú, que participou da operação.

Após a morte de Olavo, assumiu o posto Carlos da Câmara Pestana, para fazer a transição do novo megabanco. Aliás, Câmara terá agora também assento na nova empresa. Ainda não foram anunciados os nomes dos novos diretores da IU Participações, mas a direção será paritária, meio a meio de cada um dos dois bancos.

Na reunião de domingo na casa de Israel, além de Roberto Setubal, estavam os outros dois irmãos, Alfredo, Paulo e Ricardo e Olavo Junior (que cuida dos negócios da seguradora). Alfredo trabalha com Roberto no Itaú. Paulo e Ricardo dirigem a área industrial do grupo, a Duratex (Paulo) e Itautec (Ricardo). Os únicos irmãos de Roberto que não estão à frente dos negócios é o médico pediatra José Luiz e a socióloga Maria Alice, presidente da ONG Cenpec, que trabalha na área de educação e faz parcerias com o Itaú Social, presidido por Antonio Matias, outro ativo executivo do Itaú.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro a ser avisado sobre o acordo. Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles encontraram Lula ainda no saguão de autoridades da Base Aérea de Congonhas, domingo à tarde. Lula retornava a Brasília, depois de um fim de semana em São Bernardo do Campo, e Setubal e Moreira Salles, preparavam-se para decolar num jatinho para a capital, onde iriam falar com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que esperavam os banqueiros em Brasília. Os dois informaram ao presidente do negócio e do anúncio que seria feito no dia seguinte. Em seguida, entregaram uma carta, expondo os motivos para a fusão, com o mesmo teor divulgado no anúncio oficial.

Lula deu o aval para o fechamento da união do Itaú com o Unibanco. O presidente ficou entusiasmado com a fusão. Disse que o negócio teria todo o apoio do governo. Afinal, no meio do furacão da crise internacional, um negócio bilionário, seria maravilhoso.

- Que bela notícia - teria dito Lula aos dois executivos.

Dali, os dois banqueiros foram para a capital e se reuniram primeiro com Meirelles. Uma operação dessa magnitude tem que ser autorizada pelo presidente do BC. Meirelles também apoiou o negócio com entusiasmo, prometendo sinal verde em dois meses.

Depois, os dois se reuniram com o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

- A reação de Brasília foi maravilhosa. Foi a senha para a festança na casa do Israel - disse uma fonte.

Antecipação de balanço já fazia parte das negociações

Não foi à toa, portanto, que Itaú e Unibanco anteciparam a divulgação de balanços nos últimos dias. Tudo já estava sendo apressado para que o negócio não vazasse e fosse executado no meio de um turbilhão de dúvidas sobre a solidez do Unibanco, devido à sua sociedade com a seguradora americana AIG em negócios de previdência privada no Brasil. A seguradora foi duramente atingida pela crise financeira global e precisou ser socorrida pelo Departamento do Tesouro dos EUA.

Nas últimas semanas, a preocupação do Palácio do Planalto era exaltar publicamente o fato de que o momento mais conturbado da crise já passou e o anúncio da criação da maior instituição financeira do hemisfério serviu como chancela privada ao discurso oficial. Segundo uma fonte de primeiro escalão do governo, o negócio comprova a saúde econômica do país, sobretudo porque não teria relação direta com a crise financeira:

- Os dois bancos demonstram a confiança na economia brasileira e na capacidade do sistema financeiro. Um negócio entre duas instituições desse porte não é feito em apenas quatro semanas. É algo muito complexo.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi avisado também na noite de domingo, quando se preparava para retornar de São Paulo à Brasília. Segundo interlocutores, ao contrário de Lula e Meirelles, ele recebeu o comunicado de dois representantes das instituições na sala de autoridades do aeroporto de Congonhas, mas não de seus presidentes. A notícia veio num contexto de otimismo renovado nos bastidores do Executivo, num clima que não se viu em outubro.

COLABORARAM Gustavo Paul e Geralda Doca, Chico de Gois e Patrícia Duarte