Título: Ex-vítima da ditadura é relator, no STF, de ação sobre a abrangência da lei
Autor: Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 05/11/2008, O País, p. 5

Ministro Eros Grau, que esteve preso no DOI-Codi, foi sorteado para relator.

BRASÍLIA. O processo que consulta o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o perdão aos crimes cometidos por militares na ditadura militar será comandado por uma vítima dos porões. Preso e torturado em 1972, o ministro Eros Grau é o relator da ação que pode manter ou não a validade da Lei de Anistia para os torturadores do regime. Ele foi designado para a função por sorteio, no último dia 21.

Ex-militante comunista, Eros tem 68 anos e é hoje o integrante mais velho do tribunal. Nomeado pelo presidente Lula em 2004, ele também é o único no STF a ter sofrido, em sua trajetória de vida, tortura.

O ministro não participou da luta armada, mas foi preso por pertencer ao Partido Comunista do Brasil, o antigo Partidão, e atuar como advogado na defesa de amigos perseguidos pelo regime. Detido no governo Médici, ele passou uma semana nas dependências do DOI-Codi em São Paulo.

Na época, a unidade era comandada pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que no mês passado foi declarado responsável por crimes de tortura pelo juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível da capital paulista. Como a sentença foi apenas declaratória, o militar continua solto.

Eros costuma falar com orgulho da formação de esquerda e mantém um retrato de Karl Marx em seu gabinete. No entanto, evita ao máximo falar da prisão política, que também não é citada em sua biografia oficial no site do STF.

Só este ano o ministro aceitou comentar publicamente o episódio. O desabafo foi publicado no livro "1968: O que fizemos de nós", de Zuenir Ventura. Com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas, ele contou que sua mulher o proibiu de assistir ao filme "Batismo de sangue", que narra a tortura aos frades dominicanos, para que ele não se lembrasse do que sofreu.

Na entrevista para o livro, Eros disse que a tortura foi tão marcante em sua vida que ele passou a encarar todos os outros problemas, inclusive a pressão exercida sobre os integrantes do STF, como coisas menores. "No DOI-Codi, aprendi a não ter tanto medo. Nada pior do que aquilo pode acontecer", afirmou. Antes de a Lei de Anistia ser questionada no tribunal, o ministro evitava opinar sobre o tema dizendo que um dia poderia ser obrigado a decidir numa ação como a atual. Procurado ontem pelo GLOBO, ele preferiu não comentar o caso.