Título: Liberdade a Dantas, censura a juiz de SP
Autor: Carvalho, Jailton de; Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 07/11/2008, O País, p. 3

Autor da ordem de prisão foi autoritário e insubordinado, dizem ministros do STF.

BRASÍLIA. Com duras críticas ao juiz Fausto de Sanctis, o Supremo Tribunal Federal manteve ontem o habeas corpus que libertou o banqueiro Daniel Dantas, preso na Operação Satiagraha, da Polícia Federal. Os ministros acusaram o titular da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo de desrespeitar o tribunal por ter determinado a prisão preventiva de Dantas poucas horas após ele ter sido solto por ordem do presidente do STF, Gilmar Mendes. Os ministros ainda chamaram De Sanctis de autoritário, insubordinado e insolente. O relator do processo, ministro Eros Grau, afirmou que os magistrados não podem atuar como bandidos.

- Contra bandidos, o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem, à margem da lei. Juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas num pedaço de papel sem utilidade prática - afirmou.

Eros também criticou o juiz federal por tê-lo chamado erradamente de Eros Grau de Mello em ofício enviado ao STF:

- É inadmissível que um membro do Judiciário desconheça os nomes corretos dos juízes desta Corte. O desvio, talvez irônico, consubstancia desrespeito a todos nós.

O decano do STF, Celso de Mello, reprovou De Sanctis por se recusar a prestar informações à Corte sobre o processo:

- Essa recusa constitui um comportamento insolente e insólito, no mínimo, para não dizer ilícito. Isso é muito grave. É um comportamento inaceitável, que há de ser censurado.

Cezar Peluso acusou o juiz de burlar a lei ao decretar a segunda prisão de Dantas e pediu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que investigue os juízes de primeira instância que assinaram manifesto contra o presidente da Corte:

- A figura que se invoca é da fraude legis (fraude à lei). Significa usar de tipos lícitos previstos no ordenamento para obter efeitos proibidos.

Por nove votos a um, o STF confirmou as duas liminares concedidas em julho por Gilmar, para soltar o fundador do Opportunity, réu por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e crimes financeiros. A decisão ainda assegurou a liberdade da irmã do banqueiro, Verônica Dantas.

O único voto contrário foi de Marco Aurélio Mello. Ele fez fartos elogios a De Sanctis e ironizou o voto de Eros, que classificou como "muito agradável ao paciente" (Dantas).

- O juízo de valor sobre as condutas do investigado (Dantas) vinculou-se a fatos concretos. Não houve desrespeito à decisão de Vossa Excelência - disse, referindo-se a Gilmar.

Em viagem aos EUA, o ministro Joaquim Barbosa não votou. Ele discutiu com Eros no julgamento do habeas corpus de outro investigado no caso, Humberto Braz. Após o episódio, a defesa de Dantas fez uma petição para que o ministro fosse impedido de participar da discussão de ontem. No fim da sessão, os ministros discutiram sobre o pedido de Peluso para investigar a conduta dos juízes de primeira instância. Marco Aurélio, Carlos Ayres Britto e Cármen Lúcia foram contra. Gilmar disse que pediria ao CNJ informações sobre a investigação, que ele mesmo pediu, para apurar o comportamento do juiz.

O juiz De Sanctis afirmou que a Lei Orgânica da Magistratura o impede de tecer comentários sobre julgamentos, mesmo que o atinjam. De Sanctis estava em audiência. Ele soube das declarações dos ministros pela reportagem do GLOBO, mas não fez comentários.

Conhecido por gostar de polêmicas, Marco Aurélio Mello ainda anunciou ontem que não seguirá o pedido de Gilmar para boicotar o nome das operações da PF. Ele elogiou, com ironia, a criatividade dos policiais ao batizarem suas investigações, e debochou da recomendação feita na terça-feira pelo CNJ, presidido por Gilmar.

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