Título: Gilmar: descumprir decisão judicial é anarquia
Autor:
Fonte: O Globo, 08/11/2008, O País, p. 10

CRISE NA PF: "Se alguém está convencido de que viu Deus e que a missão é prender pessoas, abrigue-se numa igreja"

Presidente do Supremo volta a atacar juiz federal que prendeu Dantas e questiona resultado de operações da PF

Flávio Freire

SÃO PAULO. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, disse ontem que juízes que descumprem decisões da Justiça geram um ambiente que "está criando o germe de um Estado anárquico" no país. Segundo ele, não se pode combater ilegalidade praticando ilegalidade, assim como juízes não podem achar que são "sócios" nos inquéritos que tramitam no Judiciário. Sem citar nomes, quando perguntado sobre ataques feitos por ministros do STF ao juiz Fausto de Sanctis, responsável pelo pedido de prisão do banqueiro Daniel Dantas, Gilmar disse que quem acha que "vê Deus" deveria se abrigar numa igreja.

- Descumprir decisão judicial é mais difícil, mas, se algum juiz se engendrar dessas formas, vai ter dificuldades de fazer cumprir suas próprias decisões. Na verdade, estamos criando o germe de um estado anárquico. (Se alguém) está imbuído das melhores intenções porque de fato está convencido de que "viu Deus", e que a missão é prender as pessoas, abrigue-se numa igreja. O estado de direito é para os homens - disse Gilmar, ontem, no Simpósio Nacional de Direito Tributário, em São Paulo.

Para Gilmar, juízes não podem achar que uma decisão do STF é errada e descumpri-la:

- Descumprimento de decisão judicial é o início de um estado de balbúrdia - disse, lembrando que Dantas foi solto, por ordem do STF, às 23h30m de 9 de julho e preso às 15h do dia seguinte, a mando de De Sanctis.

Em outro ataque velado a De Sanctis, Gilmar disse que procuradores podem pedir providências para que o Supremo aceite ou não quebra de sigilo ou mandado de busca e apreensão.

- Mas o procurador não vai negociar no gabinete antes esse tipo de medida. O juiz controla esse processo. Ele não é sócio do inquérito. Nem do delegado nem do procurador. Ele não pode ter lado.

Gilmar questionou os resultados das operações da PF.

- O que resultou? Quantos foram condenados? Quantos bens foram apreendidos e recolhidos aos cofres públicos? No fundo, acaba ficando a propaganda pela propaganda - afirmou, negando em seguida insinuação de que haveria viés político nas operações: - Não. Estou dizendo que os senhores examinem. Estou desafiando.

Sobre Protógenes: "Não discuto com delegado"

Sobre a denúncia de que a PF teria quebrado o sigilo telefônico de jornalistas, sem autorização judicial, investigando vazamento de informações na Operação Satiagraha, ele disse que não comentaria, mas adiantou:

- Se houve, isso será censurado pelo próprio Judiciário.

Em relação ao delegado Protógenes Queiroz, foi direto:

- Não discuto com delegado.

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse ontem no Rio que o cumprimento de mandado de busca e apreensão feito pela PF na sede da Abin é assunto do Ministério da Justiça:

- É uma questão a ser examinada pelo Ministério da Justiça. É questão judicial, que poderá ter conseqüências inclusive de natureza criminal, mas é estritamente judicial, de competência do Ministério da Justiça.