Título: Intervenção agrária
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 07/03/2009, Mundo, p. 28

Em meio à Revolução Bolivariana, Hugo Chávez desapropria fábrica de celulose irlandesa, sob a justificativa de que fornecimento é ilegal, e prepara medida contra processadora de arroz

Não só com referendos se faz a Revolução Bolivariana. Arroz, milho, açúcar e papel higiênico também são fundamentais para o movimento socialista na Venezuela. Ontem, o presidente Hugo Chávez interditou uma fábrica de celulose irlandesa, dois dias depois de ter desapropriado a fábrica de arroz da transnacional Cargill. ¿Estão desapropriados 1.500 hectares da Smurfit Kappa Group. O cultivo do eucalipto absorve quase toda a água do subsolo e isso está proibido¿, anunciou Chávez. ¿Vamos explorar de maneira racional essa madeira (eucalipto) e vamos semear outras coisas no lugar, como feijão, milho, mandioca e inhame¿, justificou a ocupação da propriedade em El Piñal, no noroeste do país. O ministro de Obras Públicas, Diosdado Cabello, avisou que as terras seriam ¿entregues às comunidades¿ e aos ¿conselhos comunais¿ ¿ assembleias de poder local.

A medida aparece como mais um passo do controle do Estado sobre a produção no país, parte integrante do ¿Socialismo do Século 21¿ defendido pelo presidente. O próximo alvo de Chávez é a processadora de arroz do grupo Polar. O chefe de Estado afirma que estas empresas não obedecem às cotas de produção do arroz tabelado, e portanto, podem ser expropriadas. ¿Estas companhias privadas se empenham em violar, de forma flagrante, as leis locais que garantem o acesso da população aos alimentos baratos e de qualidade¿, explicou o líder.

Desde 2003, os itens da cesta básica são tabelados na Venezuela. No entanto, os consumidores reclamam da falta de arroz, café, leite, açúcar e outros produtos nas prateleiras dos supermercados. Para o presidente da Confederação Venezuelana das Indústrias (Conindustria), Eduardo Gómez Sígala, as medidas aplicadas ¿estrangulam¿ a economia e são fruto do ¿desespero¿ de um governo que ¿busca responsabilidades em qualquer parte¿. ¿Não há como inventar a produção de matérias-primas quando não há produção no país. O governo tem manejado esses estoques, tem importado e destruído a produção interna, e agora surge com essa agressividade para se justificar¿, explica Sígala.

Estratégia Por outro lado, o analista econômico Thomas Socías acredita que a atitude do governo tem por finalidade aumentar a produção de alimentos básicos comercializados por meio das redes de distribuição populares com preços tabelados. ¿Não acho que haja um processo intenso de nacionalizações e expropriações, mas uma estratégia política. O governo tem o direito de aprofundar seus programas sociais, mas não deveria se meter com aquelas que são prósperas¿, defendeu Socías.

Apesar da Lei de Soberania Alimentar ter sido criada para melhorar os preços, os resultados, na prática, têm sido outros. Segundo o Banco Central da Venezuela, a inflação dos últimos 12 meses atingiu o patamar de 29,5%. A alta no preço dos alimentos foi de 40,1%, quando se compara valores de fevereiro de 2008 e 2009. Mesmo assim, Chávez considera que está tudo sob controle. ¿Não vamos fazer recair nos venezuelanos os efeitos da crise mundial. Na Venezuela, não se sentiu a crise¿, declarou o presidente.

Segundo o ministro do Comércio, Eduardo Samán, na próxima semana as operações de inspeção ocorrerão nas fábricas de arepas, um pão típico da região dos Andes, à base de milho. O ministro avalia que o custo de uma arepa não poderia passar de 1,5 bolívares fuertes (R$ 1,60), mas que ¿há usura por parte dos estabelecimentos, que ainda assim cobram 10% pelo serviço¿. Os fiscais solicitarão as faturas para saber quanto cada empresa investe e lucra com as arepas. O governo também está preocupado com as processadoras de farinha de milho e pretende impedir que os atacadistas contrabandeiem o produto para a Colômbia.

-------------------------------------------------------------------------------- Lei rigorosa

As medidas anunciadas por Hugo Chávez se baseiam na Lei sobre Segurança e Soberania Alimentar, formada por 172 artigos, que deu ao governo margem maior de controle sobre o setor. O ministro do Poder Popular para a Alimentação, Félix Osorio, explicou que a legislação mudaria ¿a ideia de se ver o alimento como um negócio¿. Confira alguns artigos da lei:

Art. 20 4. Competências do Executivo Nacional: fixar os preços dos alimentos, produtos ou insumos agroalimentares declarados de primeira necessidade; 18. Estabelecer os alimentos que compreendem a cesta básica como indicador macroeconômico, com preços de interesse social e de acordo com as necessidades locais e nacionais;

Art. 31 Os planos sobre reservas estratégicas poderão prever a colocação em marcha de estratégias especiais de produção, (...) e medidas emergenciais como a expropriação, confisco, requisição dentro do marco legal do presente decreto (¿);

Art. 52 A participação da agroindústria deve estar orientada a satisfazer o mercado interno;

Art. 127 O Executivo terá amplas faculdades de inspeção, fiscalização e controle para exigir o cumprimento das obrigações (¿).

-------------------------------------------------------------------------------- Essas companhias se empenham em violar as leis que garantem o acesso da população aos alimentos baratos e de qualidade

Hugo Chávez, presidente da Venezuela, justificando e estatização das terras

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O número 40,1% foi a inflação acumulada dos alimentos na Venezuela nos últimos 12 meses

-------------------------------------------------------------------------------- Presidente cria comuna socialista

Da Redação

O presidente da Venezuela Hugo Chávez decretou a criação da primeira ¿comuna socialista¿ do país. O terreno está localizado na fazenda El Maizal, entre os estados de Lara e Portuguesa. A fazenda, de 2.227 hectares, passou a ser propriedade nacional e será usada para cultivar alimentos, uma medida com a qual o presidente tem a intenção de reduzir a escassez de comida. ¿Este é um latifúndio, e se não interviermos nele, se não transformarmos a estrutura de propriedade da terra, a estrutura econômica que há muito se impôs e se arraigou aqui, então não faremos quase nada¿, afirmou.

O projeto socialista e a criação de comunas ocorrem por ordem presidencial, mesmo depois de elas terem sido rejeitadas em referendo popular, no fim de 2007. Além das medidas tomadas, Chávez pediu a conselhos legislativos regionais que mudem as constituições de cada estado para transformá-las em defensoras dos ideais socialistas na questão de propriedade. As terras nas áreas mais desenvolvidas da Venezuela continuam visadas pelo Instituto Nacional de Terras, para serem incorporadas pelo Estado.

Ocupação Terras nos estados de Lara, Aragua e Monagas foram declaradas públicas pelo Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (Inti) e, por isso, já estão ocupadas. Em Aragua, a fazenda Los Tamarindos pertence à Agropecuária Punta Larga. Porém, o ministro de Agricultura e Terras, Elías Jaua, informou que um grupo de funcionários do Inti, juntamente com o Instituto de Investigações Agropecuárias (Inia), está instalado no local para desenvolver sementes de hortaliças e vegetais. O governo argumenta que a fazenda não possui declaração de propriedade privada.

Em Monagas, a coordenadora regional do Inti, Josmar Rivas, e a Guarda Nacional tomaram posse do rebanho La Unión, de 1.400 hectares. A terra será passada à Corporação Venezuelana Agrária na forma de comodato ¿ um tipo de empréstimo. Os atuais donos do rebanho La Unión ficarão com 200 hectares da área. O Inti de Monagas informou que, neste mês, mais 20 terrenos serão tomados pelo governo.

-------------------------------------------------------------------------------- Um estádio só para ele

É cada vez mais terna a relação entre Caracas e os regimes árabes e muçulmanos. O presidente da Venezuela ganhou ontem um estádio com o seu nome, em Benghazi, a segunda cidade mais populosa da Líbia, com 1,4 milhão de habitantes. A inauguração do Estádio Hugo Chávez contou com um amistoso entre as seleções da Líbia e da Síria. Mohammed Khadafi, filho do ditador Muammar Khadafi, fez as honras da casa e cortou a fita de lançamento do estádio com capacidade para 11 mil pessoas. A foto de Chávez abraçando Muammar e o nome do líder venezuelano não foram garantia de sorte para a equipe anfitriã. A equipe olímpica da Líbia perdeu a partida por 2 a 1 para os sírios. A expectativa é de que Chávez se reúna mais uma vez com o ¿amigo¿ ditador em maio. O venezuelano e Muammar têm algo em comum: o gosto pelo poder. Khadafi governa há 29 anos. Chávez espera ficar no palácio até 2021.