Título: No topo da concentração
Autor: Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 09/11/2008, Economia, p. 29

GIGANTE BANCÁRIO

Fusão de Itaú e Unibanco faz país sair do penúltimo lugar para quase 2º no ranking da AL.

A recente fusão de Itaú e Unibanco e a compra do ABN Amro Real pelo Santander, no ano passado, colocaram o Brasil no topo da lista dos países com o sistema financeiro mais concentrado da América Latina. Em apenas dois anos, a maior nação da região ultrapassou Argentina, Colômbia, Chile e Equador. Saiu do penúltimo lugar do ranking de concentração bancária da região e encostou no vice-líder, de acordo com estudo da consultoria Austin Rating e do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad). Os cinco maiores bancos brasileiros já detêm 75,2% do total de ativos do sistema bancário no país, fatia que perde só para a do Peru ( 89,5%) e está praticamente empatada com a do México (79,3%).

O cenário ainda pode mudar, já que a medida provisória (MP) 443, que autoriza Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal a comprarem outros bancos, ainda não foi aprovada. Segundo fontes, o BB já negocia a aquisição do banco estadual de São Paulo Nossa Caixa e do Banco Votorantim, braço financeiro do conglomerado da família Ermírio de Moraes. Assim, a participação dos cinco maiores bancos poderia chegar a 80,41% dos ativos no país. Com isso, o Brasil passaria o México e se aproximaria do líder do ranking, o Peru.

- O sistema financeiro da América Latina já está consolidado, com exceção do Brasil. As fusões e aquisições já aconteceram nos principais países latinos, onde os bancos estrangeiros têm grande peso. O Brasil já teve mais instituições, mas ainda está em processo de consolidação. Até dois anos, o Brasil estava em uma posição intermediária no que diz respeito à concentração - diz Luis Miguel Santacreu, analista da Austin Rating.

Gigantes já fizeram aquisições em México, Argentina e Chile

Pelo estudo da consultoria McKinsey, as grandes operações na América Latina aconteceram até 2002. No México, o Citigroup comprou o Banamex em 2001; o Santander, o Serfim em 2000; o BBVA, o Bancomer em 2000; e o HSBC, o Bital em 2002. Na Argentina, BBVA, HSBC e Santander adquiriram oito bancos locais entre 1997 e 1999. O mesmo aconteceu no Chile, onde sete instituições foram abocanhadas por empresas americanas e européias.

- Os bancos operam em larga escala, e isso requer tamanho. É difícil o Itaú Unibanco crescer amplamente na região, pois já há grandes instituições. A única saída será investir em nichos, como seguros, cartão de crédito e previdência - afirma João Resende, analista do Inepad.

Resende endossa que, com a maior concentração, o sistema vai continuar sem concorrência. E lembra do potencial de crescimento, já que o crédito representa 40% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país). Nos EUA, o índice é de 150%.

- Já não havia competição no Brasil. E esse cenário tende a ganhar força. Os clientes serão prejudicados, pois perderão seu poder de barganha. Por outro lado, o setor ainda tem muito a crescer - ressalta Resende.

Dados do Banco Central (BC) revelam que o número de bancos múltiplos (que detêm carteiras em vários segmentos) caiu de 153 instituições, em 2000, para 139 hoje. Segundo a consultoria KPMG, houve 166 fusões e aquisições no setor financeiro do país entre 2000 e setembro deste ano.

- A MP pode aumentar o número de operações no país. Na América Latina, o setor já está consolidado. Há cinco anos, os bancos estrangeiros compraram quase todas as instituições locais na América Central. O Peru é hoje o mais concentrado, pois a economia está crescendo e isso gera oportunidades - explica Ricardo Anhesini, sócio da KPMG Brasil.

O ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) Roberto Luis Troster pondera o abuso de poder em segmentos do setor:

- Isso é verificado em taxas de juros de linhas como o cheque especial. Esse deve ser o foco da discussão, e não a concentração em si.

A publicitária Claudia Amaral reclama da pouca opção de bancos. Segundo ela, as taxas de juros acabam ficando maiores. Patricia Reis, que tem conta no Itaú e no Unibanco, prefere ver a fusão com bons olhos:

- Acho que o cliente pode ser beneficiado com um maior número de agências. Haverá mais capilaridade. Porém, há a questão dos juros. E isso pode preocupar - diz Patrícia.

EUA e Europa contam com leis que impedem concentração

Diferentemente do Brasil, Estados Unidos e Europa contam com legislação que impede a concentração. Para Santacreu, da Austin, a lei nos EUA estipula limites para a participação dos bancos no total de depósitos. Na Europa, em países como a Suíça, explica, é obrigatório ter instituições locais em cada condado ou estado:

- Por isso, grandes bancos dos EUA e da Europa decidiram crescer para fora de seus países de origem.

Troster lembra que os dez maiores bancos dos EUA detêm cerca de 50% dos ativos. Segundo o Inepad, os cinco maiores respondem por 47% na França; 30% na Inglaterra; 29% na Itália; e 53% na Espanha.

- O cenário mundial, no entanto, vai mudar, pois a crise global vai aumentar o número de aquisições no setor. Como os preços dos ativos estão baixos, é mais fácil de negociar e isso facilita as operações. No Brasil, isso será percebido com as pequenas e médias instituições financeiras - conclui Resende, do Inepad.