Título: Estamos assistindo ao começo do fim do G-7
Autor: Galhardo, Ricardo; Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 09/11/2008, Economia, p. 32

Para ex-assessor de Bill Clinton, solução para crise passa pela inclusão de emergentes nas decisões.

A vitória do democrata Barack Obama inaugura uma nova fase na relação dos EUA com o mundo, para o americano David Rothkopf. Ex-subsecretário adjunto do Departamento de Comércio para questões internacionais na gestão de Bill Clinton e atual pesquisador da Carnergie Endowment for International Peace, ele avalia que Obama colocará o país no caminho do multilateralismo. Neste contexto, a cúpula do G-20 em Washington, na próxima semana, representa "o começo do fim do G-7", diz. É o reconhecimento por EUA e Europa de que a única forma de lidar com a crise global é o fortalecimento de um grupo mais inclusivo que aquele limitado aos sete mais ricos do mundo.

Danielle Nogueira

Barack Obama vai assumir a Casa Branca em um momento de forte pressão para revisão do sistema financeiro internacional. O senhor acredita que ele apoiará a criação de um novo Bretton Woods, como sugerem o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy?

DAVID ROTHKOPF: É prematuro dizer. No entanto, acredito que a provável equipe de Obama terá percebido que o atual sistema era e é inadequado para os desafios desta crise. Logo, não ficarei surpreso se os EUA tiverem um papel de liderança no processo de remodelagem do sistema econômico internacional, que terá início em 15 de novembro (quando líderes do G-20 vão se reunir em Washington).

O que podemos esperar da cúpula do G-20 ?

ROTHKOPF: O mais importante sobre o G-20 já está acontecendo... e é muito significativo para o Brasil. É o reconhecimento pelos EUA e pelos europeus de que a única forma de lidar com a crise é por meio de um grupo maior e mais inclusivo que o G-7. Para mim, estamos assistindo ao começo do fim do G-7. Devemos esperar que o o G-7 se reúna com menos freqüência e, então, seja substituído na sua função de "chefe" do sistema econômico internacional por um grupo que incluirá de forma permanente Brasil, Índia, China, Rússia e, talvez, outros dois países. Esse divisor de águas tem implicações políticas significativas. É um reconhecimento de mudanças no poder global na nossa era, e, para o Brasil, vai significar um papel maior do que apenas a mais importante potência da América Latina. Resultado do trabalho do presidente Lula e do ministro (Celso) Amorim (Relações Exteriores).

Obama foi apontado como a nova cara dos EUA. Mas o que isso significa para o mundo? Podemos esperar uma maior colaboração com parceiros políticos e econômicos?

ROTHKOPF: Obama é definitivamente uma nova face, representando uma nova experiência. Mas o que é extraordinário é que ele foi eleito por ser mais esperto, mais competente e por oferecer uma visão mais próxima aos americanos do que a oferecida por seus antecessores. No fim das contas, é visto pelo mundo como um símbolo de sistemas de governo mais inclusivos, que vão trabalhar por benefícios não só para os EUA, e sim para todos.

Essa onda Obama vai levar o mundo a um projeto multilateral, revertendo o unilateralismo de Bush?

ROTHKOPF: Tenho certeza de que, com a administração Obama, o unilateralismo e o descaso de Bush em relação às leis internacionais serão coisas do passado. É muito provável que ele forme novas alianças, fortaleça as antigas e trabalhe para construir um sistema internacional mais eficaz.

Nesse novo cenário, a Rodada de Doha é viável?

ROTHKOPF: Doha vai acontecer. Será menos abrangente que a proposta original, mas a integração econômica global é uma tendência histórica. No entanto, grandes questões ainda têm de ser resolvidas, como os subsídios à agricultura nos EUA e na Europa.

Alguns acreditam que a hegemonia americana está em declínio. Ainda há espaço para potências hegemônicas?

ROTHKOPF: Sempre há espaço para potências maiores que outras. Os EUA vão permanecer, de muitas maneiras, a mais poderosa nação na Terra por muitos, muitos anos. A questão é se esse poder é percebido como sendo usado de forma responsável, com os EUA assumindo o papel de líder na comunidade das nações, ou se ele é percebido como um membro à parte. Obama indicou várias vezes que sua intenção é restaurar essa virtude, a liderança americana.

Obama nomeou ex-conselheiros de Clinton para sua equipe. Teremos um terceiro mandato? Como podem contribuir para o novo governo?

ROTHKOPF: Como ex-colaborador de Clinton, tenho uma visão parcial. Na administração Clinton, os EUA viveram seu mais longo período de expansão. E foi a última grande oportunidade para os coordenadores de políticas democratas. Onde você vai encontrar pessoas com a experiência de que precisamos em tempos de crise?

O senhor foi sondado para integrar a nova equipe?

ROTHKOPF: Sem comentários.

O novo secretário do Tesouro terá poderes sem precedentes para escolher quais outros setores além dos bancos serão beneficiados com o pacote de US$850 bilhões. O que esperar dele?

ROTHKOPF:Espero que o novo secretário fique com atenção nos EUA e na recuperação internacional. Trabalhará com o Congresso em um novo pacote de estímulo, e com o mundo para a revitalização de mecanismos desenhados para fiscalizar e apoiar a economia internacional. Espero um equilíbrio entre políticas orientadas para o mercado que reconheçam a importância das conseqüências sociais da atual crise econômica e a busca de soluções robustas e justas.