Título: Disputa de poder entre juízes afeta imagem de austeridade do Supremo
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 16/11/2008, O País, p. 4

Para ex-presidente do STF, crise pode prejudicar a credibilidade do tribunal

Bernardo Mello Franco

BRASÍLIA. Acusações de abuso de autoridade, embates entre juízes de primeira instância e ministros de tribunais superiores, trocas de insultos no plenário do Supremo Tribunal Federal: o clima quente entre magistrados tem deixado para trás a imagem austera do Judiciário, único poder que parecia imune a discussões exaltadas e ameaças de golpe baixo entre seus integrantes. A crise, agravada pela polêmica em torno da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, preocupa juristas e ex-ministros da mais alta Corte do país.

Para o constitucionalista Dalmo Dallari, as brigas públicas afetam a credibilidade da Justiça brasileira:

- É profundamente lamentável que esses conflitos estejam ocorrendo. Quando preferências pessoais influem ostensivamente em decisões judiciais, como tem acontecido, o povo começa a duvidar da isenção dos julgadores.

A advertência é repetida pelo ex-presidente do STF Carlos Velloso, que se diz apreensivo com o acirramento das divergências entre juízes e ministros de tribunais.

- A credibilidade do Judiciário depende da serenidade dos magistrados - afirma.

CNJ decidirá abertura de processo contra De Sanctis

A tensão entre a base e a cúpula da pirâmide do poder responsável por arbitrar os conflitos da sociedade deve voltar à tona com força na terça-feira. O motivo é o julgamento, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de um recurso para reabrir processo disciplinar contra o juiz federal Fausto de Sanctis, que voltou a prender o banqueiro Daniel Dantas horas após o presidente do STF, Gilmar Mendes, mandar soltá-lo.

Em julho, a idéia de enquadrar o magistrado deu origem a um manifesto de juízes, procuradores e delegados contra Gilmar, que quase foi alvo de inédito pedido de impeachment. Diante da confusão, o CNJ arquivou o caso. Agora, por ordem do ministro, o conselho vota a reabertura de uma denúncia contra o juiz na pauta suplementar da próxima sessão.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, a ameaça de levar De Sanctis ao banco dos réus é uma ameaça à independência dos juízes:

- Um magistrado não pode ser punido por suas convicções. Investigar decisões judiciais é uma forma inaceitável de intimidar os juízes. Não esperávamos uma atitude dessas de ministros do STF.

Ex-presidente da Corte, o jurista Célio Borja, que defende o sucessor na cadeira, diz que o manifesto dos juízes de primeira instância demonstrou que alguma coisa está fora de ordem na Justiça.

- É de surpreender. Essa manifestação coletiva é aberrante. O que houve neste caso foi um ato de indisciplina inconcebível no Poder Judiciário - critica Borja, que foi também ministro da Justiça.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, diz que o clima de confronto interfere no trabalho de quem ocupa a tribuna de defesa:

- Juiz criticando juiz é ruim para a democracia. A simples existência da briga já demonstra que um dos lados está errado, o que tira credibilidade de toda a Justiça.

Encarregado de milhares de processos que apuram denúncias contra magistrados de todo o país, o corregedor do CNJ, ministro Gilson Dipp, nega que o órgão possa se transformar num "tribunal de exceção" para usuários de toga, como teme Dalmo Dallari. Ele esclarece que o conselho não investiga juízes pelo conteúdo de seus despachos, mas lembra que toda decisão pode ser reformada por tribunal superior e pede cautela aos colegas nos embates públicos.

- É preciso não desviar o foco. Nesse caso, só quem lucra com o clima de confronto são os investigados - diz Gilson Dipp, referindo-se à Satiagraha.

Ministros batem boca ao vivo pela TV Justiça

As polêmicas do caso Dantas têm radicalizado embates entre os próprios ministros do STF. Em agosto, o ministro Joaquim Barbosa acusou o colega Eros Grau de decidir "contra o povo brasileiro" ao soltar Humberto Braz, braço-direito do banqueiro. Após trocarem xingamentos de "velho caquético" e "agressor de mulher", os dois quase foram às vias de fato num salão da Corte. Outras brigas recentes opuseram Joaquim a Gilmar e Eros a Marco Aurélio Mello, ao vivo pela TV Justiça.