Título: No Nordeste, trilha de até 12 km para beber água
Autor: Ribeiro, Efrém; Rios, Odilon
Fonte: O Globo, 16/11/2008, O País, p. 10

Na Bahia, 126 cidades decretam estado de emergência por causa da seca; em Alagoas, lavouras estão perdidas

Efrém Ribeiro, Odilon Rios, Alean Rodrigues* e Diego Mascarenhas*

TERESINA, MACEIÓ, FEIRA DE SANTANA (BA) e SANTO ANTÔNIO DE JESUS (BA). Enquanto o Estado do Rio e o Sul do país sofrem com o início dos alagamentos e das quedas de barreira provocadas pelos temporais, no Nordeste a seca, mais uma vez, castiga os sertanejos. Na Bahia, 126 municípios decretaram estado de emergência. Outros 75 enfrentam dificuldades. Em dez municípios do Piauí não chove há sete meses; o que se vê são grupos de mulheres, homens e crianças com tambores ou baldes de plástico nas cabeças, ou em comboios de jumento, carregando os barris de água conseguida em cacimbas abertas em grandes áreas sem vegetação ou cercadas por árvores secas.

Em Alagoas, 25 cidades decretaram situação de emergência. Na maioria dos municípios, mais de 80% da lavoura de feijão e milho estão perdidas. Os prejuízos na agricultura e pecuária passam de R$1 milhão; as crianças estão sem estudar; consultórios médicos fecharam por falta de água; os postos de saúde não param de receber pessoas desidratadas e com diarréia, e as cidades esperam agora ajuda do governo federal, com caminhões-pipa.

¿ A situação ainda não é de calamidade, mas o problema é a demora na chegada dos caminhões-pipa. Os prefeitos improvisam, mas são grandes as dificuldades para o consumo humano ¿ disse o presidente da Associação dos Municípios de Alagoas, Jarbas Omena.

Em Cabaceiras do Paraguaçu, a 160 quilômetros de Salvador, moradores das localidades rurais enfrentam dificuldades para encontrar água para beber e já desistiram das plantações de milho, feijão, mandioca, laranja e outras culturas, plantadas pela maioria dos pequenos produtores apenas como subsistência, e na época das chuvas, que geralmente vai de março a agosto.

¿Tem lugar que a gente chega e é uma correria¿

O município fica na região do semi-árido. Cerca de 70% da população é atendida com abastecimento de água. Porém, cerca de 500 famílias dependem semanalmente da passagem de um tanque-pipa, fornecido pela prefeitura, para encher latas, tanques, baldes e garrafas no quintal de casa. A água para beber, em alguns locais, só mesmo captada de uma mina, por meio de tubulação, e armazenada em tanque de alvenaria e cimento. No oeste do município, área de cactus e mandacarus, a população vive em estado de calamidade em meio a terra seca e árida, clima quente e poeira, e do gado que já está perdendo peso.

¿ A água é do Rio Paraguaçu, e faço até três viagens no dia para atender as comunidades. Primeiro os postos de saúde e as escolas, depois, as casas. Tem lugar que a gente chega e é uma correria. É um sofrimento ¿ conta o motorista do trator-pipa José Gomes Santana, 54 anos.

No povoado Formosa, zona rural de Teresina (PI), o lavrador José Ferreira dos Santos, de 68 anos, caminha dois quilômetros todos os dias, ao meio-dia, para almoçar e trazer um jantar, que era na sexta-feira feijão com um ovo cozido, na casa de seu sobrinho. Ele conta que depende do parente, que cuida de sua aposentadoria, porque neste ano a lavoura de milho, feijão e arroz fracassou com a seca:

¿ As chuvas foram fracas e pararam em abril, e o feijão, o milho e o arroz que tinha plantado foram queimados pelo sol. O que colhi não deu para nada.

Em São Raimundo Nonato (PI), mulheres e crianças chegam por volta das 6h nos poços para aproveitar a melhor água e enfrentar o caminho de volta para casa com o sol mais brando, o que é difícil neste período.

¿ Em alguns municípios, os pessoas caminham até 12 quilômetros para encontrar água ¿ disse Manoel Simão Reinaldo, diretor da Federação dos Agricultores do Estado do Piauí.

Em Senador Rui Palmeira, Alagoas, não chove há dois meses. Os três dentistas na cidade fecharam as portas. Das 25 escolas, 12 estão sem aulas; 1.363 alunos foram obrigados a interromper o estudo. Em Olho d¿Água do Casado, o povoado Vergonha é o mais afetado. ¿A cisterna comunitária está com baixa reserva de água e as pastagens estão dizimadas¿, diz o relatório da Defesa Civil.

Especial para o GLOBO e *da Agência A Tarde

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