Título: Trava na farra dos importados
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 16/11/2008, Economia, p. 25
Com dólar caro devido à crise, substituição por produtos nacionais pode chegar a US$9 bi
Bruno Villas Bôas
Aforte valorização do dólar no país provocada pela crise financeira internacional - para um nível bem acima de R$2 - vai estimular a substituição de insumos importados por produtos nacionais, a partir do início do próximo ano, em vários setores da economia. Indústrias químicas, siderúrgicas, de têxteis e de móveis, além de alimentos e automóveis, vão passar a adquirir pelo menos US$9 bilhões a mais em insumos no mercado interno, segundo estimativa de associações e sindicatos. Entre eles, itens como máquinas, peças e equipamentos, produtos agrícolas (como o trigo), químicos e tecidos. O movimento inverte a tendência de aumento das importações de matérias-primas, que avançou 45,6% de janeiro a outubro deste ano frente a igual período de 2007, para US$71,396 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Com as incertezas da crise global, o dólar avançou de R$1,559 - menor cotação do ano, em 4 de agosto - para R$ 2,270 até a última sexta-feira: um salto de 45,6%. Mantido esse patamar acima de R$2, parte dos insumos produzidos pela indústria nacional volta a ser competitiva, após perder espaço para importados quando o real estava mais forte.
É o caso do setor químico, que sofreu abalos entre janeiro e outubro. Empresas que usam produtos químicos na fabricação de artigos plásticos (como embalagens), fertilizantes e defensivos agrícolas importaram 50% mais no período, atingindo US$30 bilhões. O setor cresceu nos dez meses, contudo, só 10%, em um claro sinal de substituição de produtos locais por importados, avalia Nelson Pereira dos Reis, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Agora, o movimento é inverso.
- Com a alta do dólar, esperamos uma recuperação de parte dessas vendas. Estimamos algo como US$4 bilhões em 2009 - afirma Reis, para quem o processo de substituição deve acelerar no início de 2009.
Para José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Vitopel, maior fabricante latino-americano de filmes flexíveis (usados na produção de embalagens e rótulos), as empresas estão buscando no mercado local uma saída para a disparada do dólar. O setor importa de 15% a 16% das 120 mil toneladas de filmes que consome por ano.
Na indústria têxtil, fabricantes de roupas e acessórios importaram este ano US$1,167 bilhão em fibras, fios, tecidos e filamentos. Para Aguinaldo Diniz Filho, presidente da Abit, deve haver substituição de 10% a 12% a partir de 2009, representando US$150 milhões por ano. Essa troca dependerá do comportamento do dólar e de políticas públicas de defesa do setor.
- Dentro de um a dois meses, terminando os estoques, o consumo de insumos nacionais deve aumentar. Vamos gerar empregos no Brasil, em vez de gerar empregos na China.
Esse processo está em curso na fabricante de cuecas D"Uomo, do Rio, que suspendeu este mês a importação de poliéster da China, matéria-prima de um de seus produtos. O preço do metro do insumo passou de R$3,20 para R$4 com a escalada do dólar. O estoque do tecido se esgotará em janeiro, quando a empresa vai tirar o produto 100% poliéster de linha e substituí-lo por um 100% algodão nacional.
- A indústria brasileira não tem preços competitivos para o poliéster. Então, vamos comprar algodão no mercado interno e promover a substituição - afirma Ricardo Moraes, sócio da empresa, que produz 1,25 milhão de peças por mês.
Redução de estoque dá início à troca
Em máquinas e equipamentos, a Abimaq, representante do setor, calcula que fabricantes devem importar menos e comprar mais no país. Das vendas de R$57,93 bilhões do setor nos dez meses deste ano, 40% referem-se a produtos importados, ou R$23,2 bilhões. Esse percentual deve começar a baixar em 2009, chegando a 20%. O setor deve substituir R$10 bilhões (US$4,5 bilhões) por ano.
- Mantido o dólar, em três a quatro meses essa tendência deve começar a aparecer nos números do setor - avalia Mário Bernardine, assessor econômico da Abimaq.
Entre fabricantes de móveis, produtos de ferragens (puxadores, dobradiças, corrediças) passam a ser adquiridos no país, diz José Luiz Dias Fernandez, presidente da Abimóvel. O preço das ferragens nacionais estava de 10% a 20% acima do valor das peças chinesas, o que passa a ser compensado pelo dólar.
Em alguns setores a substituição de importados não será rápida, avalia Julio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Ele diz que as empresas precisam se adaptar, mudando fornecedores e cancelando contratos:
- Uma mudança do câmbio, com encarecimento do importado, conduz à substituição, mas em alguns setores o processo não é simples.
O setor eletrônico, que importa US$13,6 bilhões por ano, é um exemplo. Segundo a Abinee, só alguns componentes serão substituídos, como fios de cobre e ferragens fundidas. Em alimentos, a expectativa também é de troca mais limitada, com no caso de farinha e trigo, usados em massas, pães e ingrediente da cerveja, diz a Abia.
46% DOS BRASILEIROS PLANEJAM CORTAR GASTOS, na página 26
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