Título: Da euforia ao medo: 46% dos brasileiros planejam cortar gastos
Autor: Rosa,
Fonte: O Globo, 16/11/2008, Economia, p. 26

Pesquisa revela intenção de poupar mais e comprar menos no Natal

Bruno Rosa

A crise financeira atingiu em cheio o otimismo do consumidor. Prova disso é que as famílias brasileiras já reduzem a lista de despesas para o fim de ano e alteram os planos para 2009. A conclusão é de estudo inédito feito no início deste mês pela consultoria TNS InterScience em seis capitais de diferentes regiões do país. De acordo com o levantamento, 46% dos entrevistados têm cancelado viagens e compras agendadas para os próximos 12 meses. Para este Natal, 40% decidiram cortar gastos em até 70%. Outros 28% vão esperar até o fim do próximo mês para se decidir.

A TNS InterScience está presente em 70 países e faz parte do Kantar Group, uma das maiores redes de pesquisa de mercado do mundo.

Preocupado com o avanço do desemprego e dos preços, o consumidor espera queda em seu poder de compra para 2009. Segundo o estudo, a expectativa atingiu o pior nível nesta década. Em agosto último, antes da atual crise ganhar força, 55% dos brasileiros acreditavam que iriam consumir mais e melhor no futuro. Este mês, o índice caiu pela metade, para 26%. Por outro lado, o número de pessimistas dobrou no mesmo período. Subiu de 15% para 31%. Em 2002, com as incertezas da eleição do governo Lula e o dólar chegando a R$4, apenas 17% das pessoas achavam que a vida ia piorar, contra 56% dos otimistas.

Segundo Ivani Rossi, diretora de planejamento da TNS, a forte retração na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e os cortes na produção feitos pelas empresas têm um impacto psicológico negativo. Ivani revela que 56% das pessoas acreditam que o país será totalmente afetado pela crise mundial.

51% não vão se endividar em 2009

- O consumidor está reagindo a todos os sinais. As famílias da classe C são as mais pessimistas. Eles (49%) acham que mesmo o Lula tendo boa vontade não vai conseguir conter a influência externa. E, em todas as entrevistas, o medo do desemprego é o que faz o brasileiro frear o seu consumo e apertar o cinto. O momento é de suspensão - diz Ivani.

Para o economista Claudio Goldberg, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a pesquisa mostra uma tendência, pois todos estão preocupados com o emprego e a desaceleração da economia. O resultado, continua, é um gasto menor e o pagamento de dívidas. Segundo a TNS, entre os que já sabem o destino do décimo terceiro salário, cerca de 14% vão quitar os financiamentos pendentes. Além disso, 51% planejam estar menos endividados em 2009.

- O Natal deste ano será a primeira data afetada. As pessoas vão comprar itens mais baratos. Televisões digitais e carros serão cortados da lista. Ninguém quer assumir novas dívidas nesse momento de instabilidade - explica Goldberg.

O analista de marketing Rafael Nascimento comprova a pesquisa. Ele já cancelou a viagem para a Itália que faria em 2009 e suspendeu a compra de um carro financiado. No Natal, pretende gastar 40% menos:

- O momento é muito incerto. É hora de poupar. Não há como comprar nada parcelado neste momento de incertezas e alta nos juros.

Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC) e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), prevê fim de ano sem alta nas vendas. Os negócios serão afetados pela alta do dólar, que pulou de R$1,70 para R$2,30.

- Este ano, não será o Natal dos importados. O consumidor está com medo de comprar, pois percebeu que as empresas abriram menos vagas.

Antônio Cesar Carvalho, da Acomp Consultoria, diz que há um efeito manada, pois as famílias já traçaram suas expectativas para 2009:

- No início do ano há de impostos e despesas que terão de ser pagas. E a satisfação pessoal, com presentes e viagens, ficará em segundo plano.

Ivani, da TNS, diz que as empresas terão de ser criativas para estimular as vendas. A executiva lembra que em outubro as lojas já estavam decoradas para o Natal. O objetivo é criar um clima para as compras. Nas redes de departamento do país, a ordem é economizar. A estratégia já foi alterada: só serão abertas lojas em mercados onde a marca é conhecida. O objetivo é evitar gastos em marketing.

Grifes como Cantão e Uncle K cancelaram a compra de vários itens de seus fornecedores. Não querem ficar com o estoque cheio. A Granado vai lançar colônias da marca Phebo para este Natal por preços mais acessíveis. Roni Argalji, presidente da Duloren, lembra que qualquer empresário lúcido está vivendo apenas o dia-a-dia:

- Os bancos só fazem linhas de crédito de um mês. Acabou a antecipação de até 120 dias. - afirma.