Título: Contradições na CPI
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 17/11/2008, O País, p. 3
Atuação da Abin na Satiagraha pode levar ao indiciamento de Protógenes, Lacerda e Félix
Leila Suwwan
Em seus depoimentos à CPI do Grampo, feitos sob compromisso de dizer a verdade, o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Paulo Lacerda e o ministro Jorge Félix (Gabinete de Segurança Institucional) apresentaram versões que caem por terra sobre o real envolvimento da agência na Operação Satiagraha. Por sustentarem que houve apenas uma cooperação de poucos agentes da Abin em levantamentos cadastrais, eles correm risco de serem indiciados por falso testemunho. O pedido de indiciamento precisa ser aprovado na CPI e encaminhado ao Ministério Público.
Hoje, sabe-se que mais de 60 servidores da Abin atuaram na investigação, em atividades de monitoramento, acesso ao cadastro e histórico de assinantes das telefônicas, acesso e análise de interceptações telefônicas - e até no monitoramento do gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.
Gilmar, que está em viagem oficial à Alemanha, cobrou providências em telefonemas aos ministros Félix e Tarso Genro (Justiça), além do diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Gilmar não deu declarações à imprensa, mas, ao voltar ao Brasil, cobrará respostas políticas imediatas no caso. A cúpula da Abin está temporariamente afastada, enquanto duram as sindicâncias da agência e o inquérito da PF sobre a espionagem clandestina ocorrida no STF.
As duas apurações foram solicitadas pelo general Félix, que ontem evitou comentar o noticiário, até ter os resultados oficiais em mãos:
- Não vamos nos manifestar, vamos é tomar as providêndias. O que for necessário fazer será feito. Ou por nós ou pela Justiça.
Como O GLOBO informou no fim de semana, os trabalhos de inteligência na Satiagraha incluíram o monitoramento de um habeas corpus "em gestação" em gabinete do STF. O banqueiro Daniel Dantas, principal alvo da operação, teve a prisão decretada duas vezes pelo juiz Fausto De Sanctis e acabou liberado graças a dois habeas corpus concedidos pelo presidente do STF.
Investigações do GSI apontam o presidente da Associação dos Servidores da Abin (Asbin), Nery Kluew, como um dos principais suspeitos de participar da operação que resultou na produção e divulgação de trechos de uma conversa do presidente do STF com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
"Eu falei o que se sabia na época", diz Félix
Com essas e outras revelações recentes decorrentes da apuração de irregularidades na Satiagraha, não se sustentam as versões dadas nos depoimentos prestados à CPI, de que teria ocorrido só uma colaboração de agentes da Abin, e de que esses atuaram apenas em levantamento de dados cadastrais e atualizações de endereços. Essa explicação foi prestada inicialmente por Protógenes, que comandava a Satiagraha, mas foi afastado pela cúpula da PF. A informação foi reiterada por Lacerda. Félix ratificou os fatos, mas foi mais cauteloso, ressalvando que havia a possibilidade "improvável" de agentes, por conta própria, terem cometido infrações.
- Eu falei o que se sabia na época - disse Félix, que manteve Lacerda em sua equipe direta, após seu afastamento da Abin.
Lacerda e Protógenes não foram localizados ontem pelo GLOBO.
Segundo as notas taquigráficas pesquisadas, Félix fez uma forte defesa de Lacerda: "É evidente que eu não admito que o Dr. Paulo Lacerda tenha faltado com a verdade. Se fosse assim, nós estaríamos aí diante de um conflito que teria quer ser resolvido rapidamente. É evidente que, para mim, ele não faltou e não falta com a verdade. É um homem sério, digno".
Lacerda testemunhou na CPI que jamais falou com Protógenes sobre a Satiagraha, quando, na realidade, participou ativamente da operação, inclusive orientando os trabalhos na Superintendência da PF em São Paulo nos dias da prisão, como fica claro na gravação da conversa entre Protógenes e seus superiores.
- Com os fatos novos, vamos convidar ou pedir novas informações ao ministro Félix. O Lacerda já foi ouvido e mentiu. Chamar para ele mentir de novo não precisa - ironizou o presidente da comissão, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ).
A oposição já declarou que fará um relatório paralelo para enviar ao Ministério Público caso os pedidos de indiciamento não sejam acolhidos pelo relator, Nelson Pellegrino (PT-BA). Na quarta-feira, a CPI ouve o delegado Amaro Vieira Ferreira e o procurador Roberto Dassiê, para apurar se grampos ilegais foram utilizados na investigação do vazamento da Operação Satiagraha. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) entregará esta semana ao STF a íntegra do áudio da reunião realizada entre Protógenes e a cúpula da PF. Ele apresentou um requerimento de informações à PF sobre o teor da gravação e o recebeu sexta-feira.