Título: Ainda sem saída
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Fonte: O Globo, 11/11/2008, Economia, p. 20

O pacote da China é importante, mas não é capaz de substituir o que o mercado chinês perderá com a recessão americana. A mudança da estrutura de decisão mundial acontecerá, mas não a ponto de trocar o G-7 pelo G-20. A força do otimismo que vem da eleição de Barack Obama é fundamental para construir a retomada, mas não garante que o mundo vai sair da crise a curto prazo.

Há fatos novos no mundo mitigando os efeitos devastadores desta crise, mas eles não são suficientes e, por isso, os mercados vão continuar nesse sobe e desce. Ontem, o dia que começou comemorando o pacote chinês foi, ao longo da tarde, pondo na conta os dados da permanência da crise. Um deles, espantoso: aquele pacotão para salvar o AIG de US$85 bilhões vai crescer. O papagaio pendurado na conta do contribuinte americano não deu para tapar o rombo.

Mesmo assim, alguns fatos bons estão em curso. São oportunidades de se evitar a repetição do fantasma que ronda a economia mundial. Na crise de 1929, a administração na qual eclodiu o crash tinha longos anos de mandato pela frente. Atualmente, há a feliz coincidência de uma troca de governo exatamente ao fim do pior ano. E uma troca com extraordinária força simbólica. Obama não tem bala de prata, nem varinha de condão, mas já está em atividade mesmo antes da posse para evitar o agravamento da crise, como se viu ontem na Casa Branca.

O crescimento dos emergentes já representa 78% do crescimento mundial e, no ano que vem, a projeção é que chegará a 88%. Mesmo assim, o pacote de estímulo chinês, por mais bem feito e mais bem sucedido que seja, não é suficiente sequer para anular a desaceleração chinesa pela redução das importações dos Estados Unidos. O que a China está tentando não é segurar o mundo, é evitar a queda do crescimento interno, com o temor de que isso agrave as tensões sociais que são mitigadas pelo crescimento.

A receita dada na reunião dos ministros da economia do G-20, e reforçada até pelo FMI, é aumentar o gasto público em momentos como esse. Sempre foi esta a fórmula de compensar a falta de investimento público, mas se a ordem de gastar for seguida em todos os países emergentes, podem surgir perigosas distorções. O Brasil, com sua história de superinflação crônica de três décadas, não pode aplicar toda a cartilha sob o risco de trazer de volta o que exatamente nos tirou tanto tempo de crescimento sustentado. O dilema no Brasil é que o país tem déficit nominal, os gastos públicos aumentaram muito e o governo investe pouco. Não apenas o governo Lula. O subinvestimento é crônico, mas piorou no começo do primeiro mandato do presidente Lula. Depois aumentou ligeiramente. O PAC prometia elevar substancialmente o investimento e não o fez.

O governo não tem conseguido cumprir o PAC. Uma análise do Contas Abertas, com dados do Siafi até 28 de outubro, mostra que, do chamado PAC orçamentário, ligado à administração direta - ou seja, dos R$17,968 bilhões de dotação orçamentária previstos para 2008 - foram pagos, este ano, R$8,366 bilhões, o que corresponde a 46,5% da dotação. Do total pago, R$1,95 bilhão são relativos a obras e serviços previstos no Orçamento da União para este ano e os outros R$6,415 bilhões são de restos a pagar de anos anteriores. E ainda há mais R$6,136 bilhões de restos a pagar de outros anos que ainda não foram pagos pelo governo.

Em outubro, os dados poderiam ser maiores do que o que foi registrado. Oficialmente, houve uma diminuição das despesas executadas e dos valores pagos do PAC, mas a explicação do governo é de que as greves do DNIT e dos bancários - que afetou a Caixa Econômica - atrapalharam o empenho das despesas. Hoje, o Contas Abertas apresenta o balanço atualizado do PAC, incluindo os 10 primeiros dias de novembro. O dado pode melhorar um pouco, mas, como o ano está quase terminando, o que se tem até agora mostra que as repetidas declarações de que o PAC não será reduzido não correspondem aos fatos.

O que o governo aumenta com facilidade são outros gastos, não os investimentos. E, ao fazer isso, reduz a possibilidade de executar os investimentos que neste momento seriam úteis para mitigar a crise.

Outros países, além do Brasil, podem ter problema se seguirem a receita genérica de "licença para gastar" dada na reunião do G-20. Um aumento do gasto público é inevitável em épocas assim, mas se o país já entra na crise com alta carga tributária, como o Brasil, o gasto público acaba tendo efeito perverso se retirar mais recursos do setor privado.

As reuniões do G-20 dão a impressão de que os Estados Unidos e as maiores economias européias estão decididas a dividir com mais 13 países o poder decisório que estava confinado em sete países. Não é realista pensar que isso vai acontecer. A boa notícia é que a queda do peso relativo da economia americana, o crescimento da China e a força dos emergentes estão de fato obrigando a ampliação do foro de discussão. Pode se consolidar um projeto já defendido em outras ocasiões de se formar um G-13 ou G-14, mas as decisões fundamentais continuarão sendo tomadas pelo G-7.