Título: Filantropia: hospital investigado é beneficiado
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 15/11/2008, O País, p. 8

Dirigentes de instituição de Porto Alegre são suspeitos de corrupção e formação de quadrilha em esquema de fraude

Leila Suwwan

BRASÍLIA. Ao "zerar o jogo" para as entidades filantrópicas que corriam o risco de perder seus certificados e sua isenção tributária, a medida provisória 446 regularizou automaticamente a situação do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre. Dirigentes da entidade foram denunciados pelo Ministério Público Federal por corrupção e formação da quadrilha no esquema de fraude desbaratado em março pela Operação Fariseu da Polícia Federal.

Ontem, o governo flertou com a possibilidade de modificar a anistia concedida pela MP, especialmente se casos suspeitos fossem identificados, conforme afirmou a secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Arlete Sampaio. A PF encontrou pelo menos 60 entidades que podem estar envolvidas na concessão fraudulenta de certificados de filantropia. O Mãe de Deus foi o primeiro a vir à tona.

O hospital vinha há anos lutando para regularizar seu certificado de filantrópica e seus dirigentes foram flagrados em grampos telefônicos com integrantes do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que acabaram denunciados por montar um esquema para manipular, fraudar e obter benefícios em negociações para a concessão do Cebas (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social). O documento permite a isenção de pagamento da cota patronal do INSS, CSLL, Pis e Cofins.

"O hospital sempre manteve seu caráter de filantropia"

Apesar de ter recursos ainda pendentes no CNAS e enfrentar agora acusações criminais na Justiça, o Hospital Mãe de Deus ficou em situação completamente regular após a edição da MP 446. Seu último certificado oficial venceu em 1991. As dívidas da isenção concedida de 1992 até hoje só poderiam ser cobradas com uma decisão administrativa final, negando o Cebas do hospital. E tais cobranças só podem retroagir pelos últimos cinco anos.

- A MP veio para sanar um problema de uma burocracia tremenda, foi uma espécie de válvula de escape. O hospital sempre manteve seu caráter de filantropia, sempre cumpriu todos os requisitos, mas ficou preso na burocracia, num entendimento da Receita com o qual não concordamos, é subjetivo - disse o advogado do hospital, Lúcio de Constantino. - A parte criminal é outra questão. Aí houve um equívoco do promotor porque a Polícia sequer acusou o hospital, apenas a suposta quadrilha dentro do conselho.

O MPF não se manifesta sobre a denúncia, que corre em segredo de Justiça.

O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que abriga o CNAS, não respondeu a questionamentos sobre a situação do certificado dessa entidade. Na lista oficial de filantrópicas, não consta o nome do hospital, apenas de sua mantenedora, a Associação de Educadores de São Carlos. A MP 446 renovou certificados de processos ainda não analisados e até dos que já foram recusados.

Segundo a auditoria da Receita Federal e do INSS, o hospital não cumpria o requisito mínimo de atendimento gratuito à população, distribuía patrimônio e pagava salário de até R$50 mil a dirigentes, o que é vedado.

oglobo.com.br/pais