Título: TAM: culpados por tragédia não devem ser presos
Autor: Freire, Flávio; Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 15/11/2008, O País, p. 9
Laudo aponta Anac, Infraero, TAM e Airbus como responsáveis; MP prevê como pena serviços à comunidade
Flávio Freire e Tatiana Farah
SÃO PAULO e BRASÍLIA. O maior acidente aéreo do país, quando um avião da TAM bateu e explodiu num prédio vizinho ao aeroporto de Congonhas, matando 199 pessoas em 17 de julho do ano passado, não deve colocar ninguém na cadeia. Embora o inquérito da polícia paulista aponte para o indiciamento de dez pessoas que seriam responsáveis pela tragédia, o Ministério Público prevê pena máxima de seis anos de prisão, mas que pode ser substituída por prestação de serviços à comunidade, já que uma eventual condenação nessas condições provocaria restrição de direitos, e não de liberdade.
- Estamos diante de um crime culposo (sem intenção). Prefiro acreditar ainda no ser humano, e imaginar que ninguém tinha a intenção de cometer esse acidente, e sim que ele é resultado de negligências - disse ontem o promotor responsável por acompanhar a investigação sobre o acidente, Mário Luiz Sarrubo, debruçado sobre o laudo do Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo que apontaria os seguintes responsáveis pela tragédia: funcionários da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Infraero, TAM e da Airbus, fabricante da aeronave.
O trabalho do IC, com mais de dois mil documentos, foi entregue ao delegado Antonio Carlos Menezes Barbosa, que começou a investigar crime de homicídio culposo (sem intenção), mas a conclusão será "atentado contra a segurança do transporte marítimo, fluvial ou aéreo", artigo 261 do Código Penal. A denúncia será feita pelo procurador federal Rodrigo de Grandis à Justiça Federal em São Paulo.
Fontes que tiveram acesso ao laudo produzido pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), ainda em fase de conclusão, afirmaram ao GLOBO que não há incongruências entre os dois trabalhos. O laudo do Cenipa, no entanto, não pode ser usado com fins criminais. Serve para corrigir erros na aviação.
A maioria dos indiciados deve ser da Anac. Segundo o promotor, a entidade não editou uma norma que proibisse o pouso e decolagem de aeronaves em Congonhas quando condições técnicas e meteorológicas fossem adversas. Chovia no dia do acidente. Num dos trechos do laudo do IC, um perito criminal observa: "Para realizar uma drenagem mais rápida de água, a superfície da pista deveria, se possível, ser inclinada, salvo quando há um declive transversal de cima para baixo".
O superintendente de infra-estrutura aeroportuária da Anac, Anderson Ribeiro Correia, contestou ontem o laudo do IC:
- As regulamentações da agência foram seguidas por Congonhas antes do acidente. Os critérios da pista foram atendidos.
Para o advogado criminalista Roberto Podval, que cuida da defesa de Denise Abreu, ex-diretora da Anac, não há nem o que se discutir: "Parece estar claro, pelo que foi divulgado do relatório do IC, que o acidente não teria ocorrido se os manetes do avião estivessem na posição correta", disse, em nota.
"A Airbus também tem responsabilidade"
No inquérito, Denise negou ter dado à desembargadora Cecília Marcondes qualquer explicação sobre as condições de segurança do aeroporto ou ter apresentado a norma ISRBHA 121-189, que, em tese, regeria os parâmetros de aterrissagem em dias de chuva. Ela disse ser especialista em advocacia pública e não em segurança. O depoimento considerado crucial para os indiciamentos foi do militar de reserva Gilberto Pedrosa Schittini, autor da ISRBHA 121-189, para quem se a medida tivesse se tornado uma obrigatoriedade por meio de Notam (Notificação aos Aeronavegantes), o acidente teria sido evitado. Funcionário da Anac, Schettini fora afastado à época.
O documento aponta a falta de groovings (ranhuras) para que a pista tivesse condições para ser usada, o que torna a Infraero também uma das responsáveis pela tragédia.
- A Airbus também tem responsabilidade, já que classificou como desejável, e não como obrigatória, a instalação de alarmes sonoros que auxiliariam os pilotos do A320 a corrigirem eventuais equívocos no manuseio das manetes. Agora, após a tragédia, todos os airbus usados pela companhia têm esse dispositivo - disse Sarrubo.
A assessoria da Airbus em São Paulo disse que não comentaria.
O promotor credita responsabilidade também à TAM, por ter permitido que um avião com problema operasse normalmente. A aeronave operou em Congonhas com o reverso pinado, quando já havia determinação para que nenhuma companhia permitisse esse tipo de situação em Congonhas. Por meio da assessoria, a TAM disse que não foi notificada e que não comentaria investigação em curso.
Anac, Infraero e Aeronáutica não comentam laudo
A Anac, a Infraero e o Comando da Aeronáutica não comentaram o relatório do IC. Em nota, a Anac diz que não teve acesso ao laudo e não estaria em condições de fazer qualquer análise. O texto desautoriza declarações de servidores sobre o relatório:
"Quaisquer manifestações públicas de servidores da Anac sobre o caso representam apenas opinião pessoal e não expressam a posição da agência".
A Infraero informou que não teve acesso ao relatório e vai esperar recebê-lo antes de qualquer pronunciamento. A Aeronáutica aguarda a divulgação do relatório do Cenipa, em fase de conclusão. A parte técnica está pronta. Falta traduzir o texto para o inglês e o francês, a fim de enviá-lo às autoridades de investigação de acidentes aéreos nos Estados Unidos e na França, onde ficam os fabricantes do avião da TAM. As autoridades estrangeiras terão 60 dias para se manifestar.
oglobo.com.br/sp