Título: O Brasil e o G-20
Autor:
Fonte: O Globo, 18/11/2008, Opinião, p. 7

O G-20 é o grupo das maiores economias desenvolvidas e emergentes do mundo. O G-7 é o grupo dos sete países mais desenvolvidos economicamente do mundo. Já o G-4 é o mais interessante: inclui as quatro melhores equipes de futebol do Brasileirão, com direito a disputar o campeonato da Libertadores da América no ano que vem. Assisto à disputa pelo G-4, mas escrevo sobre o G-20, cuja reunião de combate à crise mundial ocorreu neste fim de semana.

O governo brasileiro anunciou que foi uma cúpula histórica, que mudou a lógica das decisões políticas no mundo, e que a proposta do Brasil de regular o sistema financeiro internacional foi aceita. Não é o momento para se deslumbrar. Na realidade, o G-20 foi palco de uma nova tentativa dos governos dos países de estancar a crise que já se alastra há meses. O fórum adotado foi o G-20, porque o mundo desenvolvido precisa mais do que nunca proteger o crescimento nas economias emergentes, para o seu próprio bem. E está claro para todos que é necessário modificar a regulação existente nos mercados financeiros internacionais. A melhor contribuição do Brasil (e da China e de outros emergentes) para a crise mundial é trabalhar para se manter saudável economicamente neste período conturbado.

Ver a crise como oportunidade de adquirir poder político internacional momentâneo pode desviar a atenção da tarefa à mão. E nem tudo que está à mão deve ser deixado como referência: em recente visita ao secretário do Tesouro americano, Paulson, o Ministério da Fazenda do Brasil propôs "novas idéias" para acalmar os mercados internacionais, supostamente com base num exemplar da revista inglesa "The Economist", que foi deixado de cortesia ("Valor", 17/11). Tirando o pitoresco do acontecido, demonstra foco equivocado. Há muita coisa a fazer no Brasil nos próximos meses e anos.

Aproveitamos a declaração conjunta emitida pelo G-20 para mostrar onde se encontram as preocupações coletivas e os possíveis próximos passos dos governos: (i) Risco de protecionismo. Os governos se comprometeram nos próximos 12 meses a não elevar as barreiras ao comércio e a retomar as negociações de Doha. (ii) As Instituições Financeiras Internacionais (IFI) - FMI, Banco Mundial - têm que contribuir usando sua capacidade plena de emprestar. Já o Fórum de Estabilidade Financeira (FEF), que acompanha o risco dos mercados financeiros, vai se ampliar e incluir mais membros. (iii) O G-20 reconhece a importância de políticas expansionistas domésticas, como a monetária e a fiscal, para amenizar a crise. Mas reconhece também que, em cada país, a política monetária tem de se adequar às suas condições econômicas, e que a fiscal tem de respeitar a sustentabilidade da dívida. (iv) Reforma do sistema financeiro internacional, com diversas medidas propostas. (v) Nova reunião marcada para abril/2009. Talvez a mais significativa resolução. O novo presidente americano, Barack Obama, que não participou deste fórum, terá oportunidade de contribuir plenamente no próximo.

Para o Brasil é mais produtivo concentrar-se nas implicações locais da crise global. Há várias questões de curto prazo para administrar. A liquidez já está fluindo adequadamente no sistema financeiro brasileiro? A intervenção cambial atual é duradoura para um período de crise mais extenso? Como vai se comportar a arrecadação com a economia em desaceleração? Como manter a responsabilidade fiscal num cenário adverso?

Em suma, pé no chão é essencial no momento. O G-20 não fez nem mais nem menos do que o esperado de um fórum desses: diretrizes amplas, consensos mínimos. Não foi uma reformulação do poder mundial e está longe de ser uma solução definitiva da crise no mundo. O Brasil faria bem em se concentrar nos impactos locais da crise global, definir as reações apropriadas de curto prazo, evitar o oportunismo de alguns e avançar nas reformas estruturais. Isso o levaria a um desempenho econômico saudável neste período de crise e o credenciaria a um papel maior na economia mundial. Uma futura presença política de alto nível nos fóruns internacionais seria uma conseqüência natural desse novo papel.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.