Título: Tarso: foi erro incluir direitos trabalhistas na Carta
Autor: Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 19/11/2008, O País, p. 9

Ministro surpreende e defende revisão na legislação, já que há novas formas de trabalho e de produção no mundo

Ilimar Franco

BRASÍLIA. O ministro da Justiça, Tarso Genro, surpreendeu ontem a platéia que participou da mesa-redonda "Desenvolvimento e Constituição, 2008-2028", promovida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ele afirmou que foi um equívoco dos constituintes de 1988 terem "constitucionalizado os direitos trabalhistas" na confecção da Carta Magna que consolidou a redemocratização brasileira.

- A reforma trabalhista é uma das reformas mais importantes. Não se trata de flexibilização de direitos. Há novas formas de trabalho. Há novas formas de produção. Há um novo mundo do trabalho, e precisamos de novas tutelas - disse Tarso, surpreendendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que participava do debate.

Governo tucano enviou proposta ao Congresso

Embora tenha enviado ao Congresso uma proposta de reforma, formulada pelo então ministro do Trabalho, Paulo Paiva, o PSDB não conseguiu fazer andar a mudança na legislação trabalhista nos oito anos da gestão tucana. Tarso Genro acrescentou ainda:

- Se não fizermos isso, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) será cada vez menos aplicável, e, ao lado dela, se criará um vácuo, uma anomia. Estou falando de proteção ao trabalho, como a flex security adotada na Europa, em países como a Noruega.

A flex security representa um esforço de alguns países da Europa - onde a proteção social é uma questão arraigada e cuja alteração, portanto, tem alto custo político - de flexibilizar a legislação trabalhista e conseguir reduzir custos de produção. Trata-se da introdução de novos modelos de contrato de trabalho, em condições específicas, mas mantendo direitos considerados básicos. O objetivo central é facilitar a abertura de novas vagas.

O presidente da CNI, deputado Armando Monteiro (PTB-PE), que em sua intervenção não tinha relacionado a reforma trabalhista como uma prioridade para modernizar a economia do país, ficou animado. Ele havia apontado a realização das reformas tributária, política e previdenciária como prioridades do setor produtivo.

- Há realidades novas. Os direitos trabalhistas - sei que o ministro não concorda com isso - deveriam ser produtos não da lei, mas de contratos coletivos de trabalho. Isso ajudaria a dinamizar o processo econômico. A lei cristaliza, não responde a processo - afirmou Armando Monteiro.

Tarso Genro retrucou, dizendo que os acordos coletivos só poderiam prevalecer num ambiente em que a diferença entre o maior e o menor salário fosse no máximo "de um para 20", e que o valor do salário mínimo "cumprisse a função constitucional".

Neste momento, Fernando Henrique interveio, louvando a posição de Tarso, de que é preciso se adaptar aos novos tempos nas relações trabalhistas:

- Reconheço que o ministro abre um espaço para se fazer um ajuste na legislação trabalhista. Isso não é contra os trabalhadores. É preciso fazer um ajuste.

Lula não cumpriu promessa de rever legislação

No Brasil, porém, a defesa das reformas trabalhista e sindical não tem ido além do discurso. No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu encaminhar, ainda em seu segundo mandato, uma reformulação da legislação que rege as relações entre patrões e empregados, como parte de um ajuste da economia que favorecesse o crescimento e a geração de empregos com carteira. Quase 18 meses depois, não houve iniciativa neste sentido.

Ainda no primeiro mandato, a intenção do governo Lula era criar um fórum para discutir as reformas. No entanto, a reforma trabalhista sequer entrou em debate, devido à necessidade de a administração petista atender aos interesses da classe sindical, base e berço do presidente. Lula argumenta que o tema, delicado, não pode ser defendido pelo governo sem que haja consenso mínimo na sociedade.

Com isso, como fez e disse em julho de 2007, Lula joga a responsabilidade para empresários, que acreditam "que é preciso rasgar a CLT e fazer tudo novo", e dirigentes sindicais, que acham "que têm que manter a CLT e colocar mais coisas", sem "acompanhar as mudanças no mercado de trabalho".