Título: Freio nos delírios
Autor:
Fonte: O Globo, 19/11/2008, Opinião, p. 6
A CPI do Grampo, constituída na Câmara dos Deputados quando ficou comprovado que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, era mesmo vítima de espionagem, encerra os trabalhos no dia 5 de dezembro. Mas, pelo tema de que trata e com o que pode contribuir no combate à anarquia que tomou conta das ações de vigilância eletrônica exercidas por vários órgãos, merece ter o funcionamento estendido em 60 dias, como reivindica o presidente da comissão, deputado Marcelo Itagiba, do PMDB fluminense.
Quanto mais não fosse, os desdobramentos da Operação Satiagraha sob o comando do delegado da PF Protógenes Queiroz, em parceria com o juiz Fausto De Sanctis, são fartos em demonstrar que a falta de observância de limites constitucionais por agentes públicos ameaça o próprio estado de direito.
O avanço da tecnologia de comunicações banalizou a arapongagem. Mas essa banalização não existiria se a legislação em vigor não fosse letra morta para juízes de primeira instância que liberam escutas sem maiores cuidados. Nem se falhas legais já houvessem sido eliminadas. Essas condições permitiram, ainda, que uma cultura messiânica, populista e autoritária se desenvolvesse em braços do Estado responsáveis pela repressão ao crime, de forma mais evidente no combate às delinqüências de colarinho branco.
Quando o delegado Protógenes Queiroz se filia ao PSOL, ele se autodenuncia e dá razão a quem o acusa de agir movido por interesses político-ideológicos. O erro seria o mesmo caso entrasse para os quadros do DEM. Algo semelhante ocorre quando o juiz De Sanctis, em palestras, cita o jurista e filósofo alemão Carl Schmitt, na defesa da tese inaceitável de que a Constituição e qualquer lei devem ser interpretadas de forma dinâmica, em função da realidade mutante. A seguir o método, instaura-se a absoluta insegurança jurídica e fica-se na dependência de quem for interpretar a lei da forma que bem entender. Schmitt foi um militante do nazismo, ideologia do arbítrio em estado puro, junto com o comunismo.
O plano final de trabalho da CPI do Grampo é propor um projeto que substitua a lei 9.296, de 1996, que regulamenta a escuta, nos termos da Carta de 1988. Os desmandos ocorridos em gritante profusão em operações policiais sustentadas numa perigosa fartura de mandatos liberando grampos indicam a necessidade de mudanças na legislação. A proposta pode ajudar a criar anticorpos que protejam a sociedade dos delírios de homens providenciais que porventura estejam investidos de algum poder de Estado.