Título: De frente para o investigado
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 19/11/2008, O País, p. 3

INVESTIGAÇÃO EM DISPUTA

Juiz desiste de promoção para continuar a atuar em processo sobre Daniel Dantas

Soraya Aggege

Ojuiz Fausto Martin De Sanctis renunciou ontem à possibilidade de ser promovido a desembargador federal e decidiu continuar atuando na Operação Satiagraha, que investiga o banqueiro Daniel Dantas, pela 6ª Vara Federal Criminal. Hoje de manhã, De Sanctis conduzirá a audiência final de entrega das alegações no processo em que o banqueiro é acusado de corrupção por tentar subornar um delegado da PF. O juiz exigiu as presenças de Dantas e de outros dois executivos do Opportunity, apesar das contestações dos advogados do grupo. A expectativa é de que ele dê a sentença até sexta-feira.

A decisão de De Sanctis foi tomada às 17h de ontem, depois de ele ter se reunido por uma hora com a presidente do TRF (Tribunal Regional Federal), Marli Ferreira. Momentos antes, ele soube que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) adiara a decisão sobre sua permanência ou não no caso Dantas. No processo que chegou ao CNJ, movido pela defesa do banqueiro, o juiz é acusado de parcialidade, por formar suposto triunvirato com a PF e o MPF contra Dantas.

Em meio a todas as polêmicas da Operação Satiagraha, De Sanctis protagonizou uma das maiores, com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes: quando Gilmar concedeu habeas corpus a Dantas, preso por decisão de De Sanctis, o juiz mandou prendê-lo de novo - decisão novamente derrubada por Gilmar.

Dilema até a decisão final

O juiz viveu um dilema até chegar à decisão de não aceitar a vaga no TRF agora e de permanecer na 6ª Vara Federal, no último prazo para garantir sua promoção. Ele ouviu centenas de opiniões, a grande maioria para que aceitasse a promoção e escapasse das pressões que tem sofrido para deixar o caso Dantas. Até membros do Ministério Público Federal recomendaram que saísse, como uma forma de o caso ficar "descontaminado" diante de tantas pressões.

Mas o juiz optou pela permanência e explicou seus motivos numa longa nota, com 12 pontos (leia a íntegra na página 4). Pessoas próximas a De Sanctis resumem todos num só: o juiz não podia recuar, ou o caso poderia prejudicar a independência dos juízes. Na nota, De Sanctis afirma que a decisão de não aceitar a promoção e continuar na Satiagraha foi apoiada basicamente "por brasileiros que desconheço, mas que confiam no trabalho deste magistrado".

De Sanctis destaca que poderá concorrer à promoção no próximo ano e encerra a nota com um recado: "Acima de tudo, o respeito e a dignidade do ser humano sempre têm que ser preservados, não importando a profissão e o cargo que ocupa ou o local onde é exercido. Juiz é sempre juiz, independentemente da instância ou de sua nomenclatura".

De Sanctis, de 44 anos, 18 deles na magistratura, é considerado um dos maiores especialistas brasileiros nos chamados crimes de colarinho branco. Tem vários livros sobre o tema. Até agora, não há registros de denúncias de má conduta do juiz.

Hoje os três réus da Satiagraha (Daniel Dantas, Humberto Braz e Hugo Chicaroni) responderão pela tentativa de suborno de um delegado, com US$1 milhão, para que parasse as investigações. A tese do banqueiro se concentrará na negativa da autoria. Já as defesas de Braz e Chicaroni dirão que eles foram provocados para fazer a tentativa de suborno - filmada pela PF.

Ontem a defesa de Dantas sofreu mais uma derrota na Justiça: o juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Ali Mazloum, negou o pedido do banqueiro para obter os autos do processo contra o delegado Protógenes Queiroz. Mazloum teria afirmado que tal liberação só poderia ser feita por De Sanctis. O objetivo da defesa é obter mais subsídios para pedir o trancamento da Satiagraha.