Título: Senado desafia governo
Autor: Vasconcelos, Adriana; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 20/11/2008, O País, p. 3

Garibaldi devolve MP das filantrópicas, e Planalto reage dizendo que ato é político

Adriana Vasconcelos e Luiza Damé

Num inusitado desafio ao presidente Lula, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), cumpriu ontem sua ameaça de devolver ao Palácio do Planalto, sem votação, a medida provisória número 446, que renovou o certificado de entidades filantrópicas suspeitas de irregularidades. Esta é a segunda vez na História que o Senado toma uma atitude como esta. Garibaldi alegou que a MP é inconstitucional, e se queixou do abuso na edição de MPs. A decisão, aplaudida pela oposição, provocou reação indignada do governo e de líderes governistas.

O ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, disse que o ato de Garibaldi tem cunho político e não encontra respaldo no regimento da Casa. Segundo ele, o governo não pretende editar outra MP nem projeto de lei sobre o assunto, e vai deixar para o Senado resolver a confusão política da decisão e a situação das filantrópicas. A devolução da MP monopolizou, à noite, a reunião de coordenação de governo, comandada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

- Não estávamos preparados para um gesto deste. Um gesto político, inusitado na relação entre os dois poderes. Nestes anos todos, nos acostumamos que uma medida provisória pode ser rejeitada ou aprovada, mas posta em votação - disse Múcio.

Ao tomar conhecimento da reação do Planalto, Garibaldi disse:

- Não cabe nesta hora uma colocação dessa, querendo responsabilizar o Congresso por uma decisão que é eminentemente do governo. O que foi solicitado e o governo não atendeu era para que se revogasse essa MP e editasse outra com as correções consensuais.

Para evitar que a MP perdesse a eficácia, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), recorreu da decisão de Garibaldi. Caberá agora à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) dar parecer sobre o recurso de Jucá, que depois ainda terá de ser submetido ao plenário. Para respaldar a decisão, Garibaldi invocou o artigo 48 do Regimento Interno do Senado e disse que os abusos na edição de MPs têm provocado a inversão de papéis entre Executivo e Legislativo.

- Decidi lançar mão das competências previstas no artigo 48 do Regimento Interno, que atribui ao presidente da Casa o dever de velar pelo respeito às prerrogativas do Senado, bem como impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis ou a este regimento, devolvendo-as ao seu autor - disse.

- Esta é uma decisão política. É um equívoco. E cria um precedente perigoso - reagiu Jucá.

Simon foi um dos incentivadores

Garibaldi foi pressionado pela oposição e por alguns governistas, como o senador Pedro Simon (PMDB-RS), que ameaçavam obstruir a pauta de votações enquanto a MP 446 não fosse revista ou revogada pelo governo.

- A devolução da MP é um imperativo por ser ela irrelevante, portanto, inconstitucional: por não ser urgente, portanto, inconstitucional; por ser imoral, portanto, indecorosa - disse o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM).

- A matéria não é de Constituição e, além do mais, fere a ética, a moral e os bons costumes. Vamos devolver, presidente - pediu Simon.

Garibaldi ainda titubeou, antes de anunciar sua decisão definitiva:

- Mas não há condições legais de devolver. Não há condições legais de pura e simplesmente devolver.

- Não deveria haver condições legais de o governo, pura e simplesmente, mandar para cá o que é ilegal. Mas esta é imoral! Devolva, presidente. O gesto político de devolver é importante - insistiu Simon.

- Isso é o caos legislativo - criticou o petista Aloizio Mercadante.

Vários senadores, entretanto, fizeram questão de apoiar Garibaldi.

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), fez ressalvas e disse que cabe aos plenários da Câmara e do Senado darem pareceres sobre a admissibilidade de MPs.

- Não sei no que ele se apoiou.