Título: Queda-de-braço no câmbio
Autor: Rangel, Juliana; Melo, Liana
Fonte: O Globo, 20/11/2008, Economia, p. 19
Dólar sobe 2,71% e fecha a R$2,39, mesmo com leilões do BC. Analistas criticam atuação
Juliana Rangel e Liana Melo
Apesar de todo o arsenal usado ontem pelo Banco Central (BC) para conter o dólar, a cotação disparou diante de notícias negativas sobre os Estados Unidos. A moeda, que chegou a ser negociada a R$2,414 durante o dia, fechou em R$2,39, com alta de 2,71% - o maior patamar desde maio de 2006. Com o resultado de ontem, o dólar já acumula alta de 34,5% no ano. Entre as influências ruins, a deflação de 1% no índice de preços ao consumidor nos EUA (o que indica recessão) e o impasse em relação ao socorro do governo americano para as montadoras.
À medida que a pressão ia aumentando, a autoridade monetária foi irrigando o mercado. Às 12h45m, fez um leilão de contratos de swap cambial (em que paga ao comprador a variação do câmbio e recebe, em troca, uma taxa de juros, ou seja, na prática, vende a moeda no mercado futuro), no valor de US$224,1 milhões. Depois, fez a rolagem de US$1,2 bilhão em contratos que venceriam em dezembro. Também vendeu US$1,07 bilhão aos bancos, com promessa de recompra em janeiro, fevereiro e março.
Faltando poucos minutos para o fim dos negócios, por volta de 15h55m, como o câmbio ainda estava bastante pressionado, acima de R$2,40, o BC resolveu vender moeda no mercado à vista. A estimativa do mercado é que a autoridade tenha vendido em torno de US$350 milhões. Ou seja, no total, só ontem, cerca de US$2,8 bilhões.
Segundo operadores do mercado de câmbio, os especuladores estão se aproveitando do momento ruim. No início da crise, o BC começou a fazer contratos de swap cambial em uma tentativa de dar liquidez a empresas que tinham dívidas a vencer em dólar. Como as taxas pedidas em troca pela autoridade monetária estavam altas, muitos contratos ficaram com especuladores, que aproveitaram para aumentar sua aposta na alta do dólar.
Mercado defende mais leilões à vista
Agora, o BC está tentando adiar esses vencimentos. Mas o mercado vem pedindo taxas altas e dando prazos muito curtos.
- O mercado faz contas. E sabe que, se o BC não rolar as dívidas, terá que comprar a moeda e isso pressionará a cotação - diz o gerente da corretora Liquidez, Francisco Carvalho.
Ele calcula que os vencimentos de swap de dezembro somam US$5 bilhões, dos quais já foram renegociados US$2,5 bilhões. Os vencimentos de janeiro são de US$6,5 bilhões.
- Ele poderia fazer várias intervenções no mercado à vista e vender US$5 bilhões de uma vez só. Em algum momento os especuladores iriam cansar. Mas não é esse o seu papel. O BC tem é que administrar a liquidez do sistema e atuar para reduzir a volatilidade, e não brigar com o mercado. Se a tendência é de alta, ele deve deixar subir, mas aos poucos, até que a crise passe - diz Carvalho.
O diretor de câmbio da Fair Corretora, Mario Battistel, acha que o BC deveria fazer mais leilões em que exige que os bancos direcionem o dólar para as exportadoras. O diretor da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, concorda. Ele também defende que o BC suspenda os leilões de swaps e se limite a oferecer linhas para exportação, quando necessário, e moeda no mercado de câmbio à vista. Nehme acrescenta que o mercado fixou um novo piso para o dólar, de R$2,30:
- Quando chega a esse valor, o mercado puxa a alta de olho na probabilidade de o BC rolar os contratos que vencem em dezembro.
Parafraseando o ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda e do Planejamento Mário Henrique Simonsen, o economista Nathan Blanche, especialista em câmbio e sócio-diretor da Tendências Consultoria, gosta de lembrar que "inflação aleija, mas o câmbio mata". Não é de hoje que ele critica a atuação do BC, que, a seu ver, deveria estar vendendo dólar no mercado à vista, por considerar que esta é a única operação capaz de evitar que o real continue desvalorizando.
- Já acumulamos uma maxidesvalorização de 47,1%, de julho até agora - calcula Blanche. - O país tem US$230 bilhões em ativos cambiais e não está queimando estas reservas - critica Blanche, comentando que a principal atuação do governo tem sido via swap cambial, que já acumulou US$30 bilhões desde setembro último contra US$6,1 bilhões de venda à vista.
O economista José Alfredo Lamy, sócio-diretor da Cenário Investimentos, por sua vez, tem uma visão menos crítica da atuação do BC. Ele considera a desvalorização do real um caminho natural, já que a conjuntura internacional mudou.
- Estávamos num mundo super alavancado. Hoje, o mundo caiu na real - diagnostica Lamy, comentando que o BC tem "suavizado" a desvalorização do real atuando através dos leilões de swap e de linhas atreladas ao comércio exterior.
Enquanto isso, o fluxo de investimentos financeiros estrangeiros no país (transações com ações, títulos, entre outros) continua negativo, na segunda semana de novembro, informou ontem o Banco Central (BC): US$1,519 bilhão, bem acima dos US$442 milhões do início do mês. No período, a conta comercial ficou positiva em US$1,297 bilhão, revertendo por completo o déficit de US$213 milhões visto na primeira semana do mês.