Título: Reitores criticam projeto aprovado pela Câmara e prevêem dificuldades
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 22/11/2008, O País, p. 4
EDUCAÇÃO: Especialistas pedem discussão sobre proposta que cria cota social.
Percentual para cotas fixado no texto preocupa gestores de universidades.
Maiá Menezes
Cumprir o percentual mínimo de reserva de vagas para as cotas racial e social, previsto no projeto de lei aprovado anteontem pela Câmara dos Deputados, será um difícil desafio para as universidades federais, que fazem críticas ao texto. Este é o prognóstico de quem já adota cotas e a preocupação de quem terá que seguir a lei, caso seja aprovada no Senado com as modificações feitas na Câmara.
O reitor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Ricardo Vieralves, alerta que, sem a concessão de bolsas e sem o acompanhamento do desempenho acadêmico dos alunos beneficiados pelo sistema de cotas, a evasão ameaça o projeto. Ele critica ainda o limite de um salário mínimo per capita como teto para a renda dos beneficiados, fixado no texto.
- Esse teto de um salário mínimo não vai funcionar. Com esse rendimento, em geral não se consegue chegar sequer ao segundo grau. É um critério que restringe o acesso e diminui o número de estudantes que concorrem às vagas - diz o reitor, que, na Uerj, usa o teto de três salários-mínimos.
"De que rede pública está se tratando?", pergunta reitor
A reserva de vagas para alunos da escolas públicas e para negros nas universidades é lei no Estado do Rio há seis anos. A Uerj foi a primeira universidade brasileira a adotar o sistema: o percentual é de 40% - 20% para cada um dos perfis. No Rio, mesmo com a lei, do universo de 27 mil alunos da Uerj, 3.700 são cotistas. A cota nacional, prevista no projeto, é de 50%.
Diante da possibilidade de ser obrigado a fixar o índice de vagas também para estudantes da rede pública, o reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto de Souza Salles, afirma que o percentual é alto e pede uma ampla discussão em torno do tema, porque faltam parâmetros claros ao projeto aprovado na Câmara. Como, por exemplo, definir de que escola pública o texto trata:
- De que rede pública está se tratando? Da militar, do colégio de aplicação? Aí não pode. Mas como excluí-las sem passar por cima da Constituição, já que é um texto de lei? Não se pode abrir de um dia para o outro 50% das vagas sem ter essa discussão. Senão, em vez de ajudarmos, teremos problemas sérios. Fica difícil. O percentual é alto, sem sombra de dúvida - afirma.
Como alternativa para afastar o fantasma da evasão, o reitor da Uerj propõe que a lei inclua benefício hoje aplicado na universidade: a concessão de uma bolsa para os estudantes que entrarem pelo sistema de reserva de vagas. Desde o começo do ano, a Uerj paga bolsa de R$250 aos cotistas de todos os períodos. Do começo do projeto até o início de 2008, o valor era pago apenas no primeiro ano.
- Não adianta o aluno só entrar, ele tem que sair. É preciso um esquema de apoio social: uma bolsa para cada estudante. Senão, significa evasão. Há estudantes que querem estudar e não conseguem porque não têm dinheiro para pagar o transporte. É melhor não entrar. Entrar e não dar condição é uma safadeza, uma imoralidade. Apoiamos ainda com material didático gratuito, dado a cada cotista.
A bolsa é defendida também por frei David, coordenador da ONG Educafro, um dos defensores do sistema de cotas:
- Queremos que o governo federal reflita que a bolsa-permanência para o aluno pobre terá muito mais retorno para o Brasil do que a bolsa-alimentação que o governo distribui - diz o frade, que defende também o fim do vestibular:
- Os alunos serão selecionados conforme média acadêmica no ensino médio. O projeto teve a ousadia de fazer aquilo que o MEC há mais de cinco anos tenta fazer: mudar o vestibular, hoje uma das coisas mais sem-ética que se pode imaginar.
A partir do ano que vem, a Uerj dará cursos de apoio de português, informática e língua estrangeira. É uma tentativa de contornar um outro problema: a inadequação dos alunos às disciplinas acadêmicas, por causa do ensino precário dessas disciplinas no ensino médio público:
- Lamentavelmente, a gente vem sentindo cada vez mais deficiências no segundo grau. A cada ano que passa, sentimos mais dificuldade em português. Muitos alunos não sabem escrever. Muitos alunos estão sendo reprovados em cálculo. Isso é custo para a universidade. Aqui não tem aprovação automática, tem que passar.
É também a preocupação do reitor da UFF:
- Como é esse nivelamento dentro da universidade? Sem professor de português, de matemática no ensino médio... Não basta só entrar. Ele tem que ter condição de continuar. Imagina o aluno de segundo grau sem professor de matemática, como ele passa em cálculo?
Na UFF, experiência de "bônus social" em vestibular
A UFF, este ano, adotou um sistema de bônus de 10% da nota, na segunda fase do vestibular, para alunos da rede pública - excluindo as escolas federais e militares. Isso permitiu acesso, antes improvável, desses estudantes a cursos concorridos como medicina - para 13 das 160 vagas -, e odontologia - para seis das 80 vagas.
- O bônus, no momento em que tivermos escola pública compatível e em que todas as raças e etnias tenham as mesmas condições de disputar, deixa de ser necessário - diz o coordenador do vestibular da UFF, Neliton Ventura.