Título: Mudança de tom
Autor: Galhardo, Ricardo; Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 22/11/2008, Economia, p. 23

Em reação a calote, governo abandona conciliação e retira embaixador do Equador.

OBrasil reagiu de forma dura à iniciativa do presidente do Equador, Rafael Correa, de recorrer à arbitragem internacional para não pagar um empréstimo de US$243 milhões concedido pelo BNDES para financiar obras de infra-estrutura em território equatoriano. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, anunciou ontem uma "revisão ampla" da cooperação do Brasil com o Equador e a retirada do embaixador brasileiro em Quito. A atitude, rara na diplomacia brasileira, é a resposta do país à escalada de hostilidades do governo equatoriano, iniciada com o rompimento de contratos com a empreiteira Odebrecht para construção da usina hidrelétrica de San Francisco, que culminou com a expulsão da empresa do Equador, em setembro.

A retirada do embaixador Antonino Moraes Porto, que serve em Quito, também representa uma mudança de atitude na política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva, até então marcada pela tolerância com os líderes de esquerda da América do Sul, avaliaram especialistas. Amorim demonstrou irritação não só com o teor da medida, mas também com a forma como foi anunciada por Rafael Correa. O chanceler fez questão de repetir que a decisão foi anunciada em um evento público, sem prévia consulta ao governo brasileiro.

- O Brasil, naturalmente, recebeu com muita preocupação a notícia da decisão do governo equatoriano de tomar essa iniciativa. A decisão foi anunciada em evento público, sem prévia consulta ou notificação ao governo brasileiro. Achamos que a natureza e a forma da adoção desta medida não se coadunam com a relação de amizade, o espírito de diálogo e a cooperação ampla que existem entre os governos, os povos, as nações do Brasil e do Equador - afirmou.

Rafael Correa anunciou anteontem o ajuizamento de uma ação na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional para cancelar o pagamento do empréstimo ao BNDES. O Equador questiona as taxas de juros, contratos aditivos e detalhes técnicos do empréstimo.

Em rápida entrevista, o chanceler evitou comentar o significado da retirada do embaixador. Segundo ele, os fatos falam por si mesmos.

- O embaixador do Brasil no Equador está sendo chamado ao Brasil para consultas. Quem conhece as práticas diplomáticas sabe exatamente o que isso significa. Não sei se é a primeira vez na história, mas há algum tempo não ocorre isso - disse.

Amorim classificou o episódio como "sério" e anunciou uma revisão nas relações entre os dois países.

- A medida adequada é chamar o embaixador, fazer uma consulta e fazer uma revisão ampla da nossa cooperação - disse.

Para ele, a forma como o governo equatoriano vem agindo prejudica as tentativas de integração continental. Sem citar casos específicos, o chanceler admitiu que o Brasil agiu de forma "compreensiva" em outros episódios - como a ocupação das instalações da Petrobras pelo governo Evo Morales, na Bolívia -, mas defendeu a linha adotada até agora.

- Em vários casos do passado, o governo brasileiro e a política externa têm sido criticados por atitudes de, digamos, compreensão em relação a certas situações. Avaliamos que agimos corretamente também no passado, isso era bom para o Brasil, para a integração e para o relacionamento.

Provocado por jornalistas a comentar o caso, o presidente Lula limitou-se a endossar a fala de Amorim.

- A minha palavra é a palavra do Celso. O que o Celso disse é exatamente o que eu iria dizer. Perguntem sobre a Colômbia, sobre o Peru, sobre qualquer outro país - esquivou-se.

Analistas aprovam reação do governo

Especialistas em relações internacionais consideraram adequada, embora tardia, a reação do governo brasileiro. Para eles, a convocação de um embaixador, mesmo sob argumento de "consulta", significa na diplomacia uma demonstração clara de insatisfação com o país vizinho.

Luiz Felipe Lampreia, ex-ministro das Relações Exteriores, disse que, pela primeira vez, o governo brasileiro reagiu de forma relevante à série de medidas hostis adotada por países sul-americanos.

- É uma mudança muito bem-vinda mesmo, deveria ter sido feita contra a Bolívia, em 2006, quando ocuparam unidades da Petrobras.

O ex-ministro Rubens Ricupero disse que o peso da reação do governo dependerá do tempo em que o embaixador ficar fora de seu posto.

- O Brasil mais do que passou a mão na cabeça desses países, estava quase que estimulando atitudes hostis pela omissão. Agora, viu que essa política não estava dando certo.

Pivô da crise, a empreiteira Odebrecht informou que não iria se manifestar sobre o caso porque a "demanda" não é contra ela, e sim contra o governo e o BNDES. Já o banco divulgou comunicado afirmando que o "não pagamento implica inadimplência do banco central devedor com os demais bancos centrais signatários do convênio". O acordo foi assinado depois que o banco cumpriu todas as exigências feitas pelos dois países e os termos do contrato foram aprovados pelo Congresso do Equador.

Colaborou: Liana Melo