Título: Criança não tem que ter Orkut. É para adultos, afirma procuradora
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 23/11/2008, O País, p. 12

Adriana Scordamaglia alerta para o uso da internet em casos de pedofilia.

Integrante do grupo do Ministério Público Federal de São Paulo contra crimes cibernéticos, a procuradora Adriana Scordamaglia alerta: a internet pode se transformar no maior inimigo quando o assunto é pedofilia. ¿Criança não tem que ter Orkut. É para adultos¿, afirma. Ela cobra mais fiscalização e aponta como avanço a mudança no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), punindo quem coleciona essas imagens e alicia crianças pelas rede. O tema será abordado no 3º Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que acontece esta semana no Rio.

Tatiana Farah

Qual o volume de denúncias de pornografia infantil?

ADRIANA SCORDAMAGLIA: As denúncias são muitas. Na maioria delas, não conseguíamos chegar ao autor do crime devido à falta de materialidade da prova. Faltava uma colaboração dos provedores de internet.

Houve um acordo com os provedores. O que mudou?

ADRIANA: Eles não guardavam as páginas para o Ministério Público usar na ação penal. Os dados do criminoso eram fictícios. Quando obtínhamos os verdadeiros, o criminoso tinha se mudado. Agora, o Google (proprietário do Orkut) tem de preservar páginas com suspeita de pornografia infantil por 180 dias, prorrogáveis por mais 180. Tem de identificar os usuários.

Tem gente presa no Brasil por pornografia infantil?

ADRIANA: Na última pesquisa que fiz, eram seis pessoas. Faltava a lei que punia quem guardasse material de pornografia infantil no computador ou em casa. A lei só falava de quem distribuísse as imagens. Isso vai mudar.

Há comprovação de que quem vê essas fotos cometam outros crimes contra crianças?

ADRIANA: Não temos dados sobre isso. Em geral, as crianças vítimas de exploração sexual ou são através de parentes ou de pessoas que as conhecem tanto na internet quanto no mundo físico. Antigamente iam à porta da escola e ofereciam uma balinha. Agora, eles vêm ao chat da Barbie, da Hannah Montana, se passam por criança, começam a conversar. A criança acaba falando onde estuda, mora. O criminoso pega os dados e fecha o cerco. Ou a criança tem uma foto no Orkut com o uniforme do colégio, uma foto de casa.

Mas o que fazer com o Orkut das crianças?

ADRIANA: Criança não tem de ter Orkut. É para adultos. Não poderia ser usado por crianças. Esse é mais um problema da falta de fiscalização.

A Polícia Federal disse que os pedófilos apelam muito para a solidariedade das crianças para fazer com que elas tirem a roupa e mandem fotos.

ADRIANA: Exatamente. Eles usam a ingenuidade das crianças. Tudo o que é dito, para elas, soa verdadeiro. Mas esse é o lado ¿elite¿ da pornografia infantil e da exploração sexual. A grande maioria das crianças exploradas é pobre. Por uma bala, um CD, fazem qualquer coisa.

Existe um trabalho para orientar essas crianças?

ADRIANA: Não existe. E é o viés preventivo de 2009. O que tem de criança que fica na lan house o dia inteiro... Um dia, a criança conta em qual lan house está. No dia seguinte, o criminoso filma a criança, chama-a para ir à sua casa. Muita coisa apreendida não é brasileira. Tem muitas crianças negras. As loiras são, geralmente, pobres do Leste Europeu. A grande maioria é criança de baixa renda de qualquer parte do mundo.

É a mesma situação das crianças exploradas nas ruas?

ADRIANA: Isso mesmo. Nenhuma criança vai fazer isso se não tiver uma moeda de troca. Não faz parte da idade dela esse tipo de comportamento. A grande maioria dessas crianças tem 9, 10, 11 anos de idade.

O que lamentar e comemorar no congresso sobre abuso contra crianças?

ADRIANA: Temos a lamentar que o número de pornografia infantil na internet é altíssimo. Mas provedores, órgãos públicos, pais, todos estão acordando para o fato de que há necessidade de dar mais atenção às crianças, saber quais sites acessam, o que fazem na internet. O ano de 2008 foi um marco no combate à pornografia infantil no mundo. O acordo com o Google é vanguarda.

oglobo.com.br/pais