Título: Desemprego,êxodo e vigília
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 23/11/2008, Economia, p. 27

Michigan, estado de Detroit, sede das Três Grandes, perdeu 500 mil vagas.

Sete graus centígrados abaixo de zero nas ruas de Detroit. Mas ninguém reclamava do frio. Isso era o de menos para aquela multidão que, ombro a ombro, exibia sua aflição e manifestava suas esperanças, na noite gelada de quinta-feira passada. Seu problema maior era ¿ e deve continuar sendo, por um bom tempo ¿ o desemprego.

Por isso valia o sacrifício da vigília à luz de velas, num movimento espontâneo de solidariedade e oração. Era também uma forma de denunciar ao mundo sua angústia ¿ motivada em grande parte pela desastrosa administração empreendida há pelo menos dez anos pelas chamadas Três Grandes (General Motors, Ford e Chrysler).

O encontro servia, ao mesmo tempo, como uma busca coletiva de auxílio divino. Só de janeiro a outubro deste ano, cem mil americanos perderam o trabalho na indústria automobilística dos Estados Unidos. Em Michigan, onde ela nasceu, a crise é mais grave pois abrange mais do que suas três montadoras.

Ela vem se alastrando para as áreas de autopeças, pneus, plástico, vidro, aço e ferro, e o comércio em geral. Meio milhão de empregos foram perdidos desde junho de 2000 nessa região. O índice mais recente foi divulgado na última quinta-feira: o desemprego em Michigan atingiu 9,3%, contra uma taxa nacional de 6,5%. É o maior dos últimos 16 anos.

Sem-teto já somam 80 mil em Michigan

Não é à toa, portanto, que este é o estado americano que menos atrai novos moradores. É o último dos 50 nesse ranking. Sua produção mais constante tem sido a do êxodo de mão-de-obra. Além disso, ele promove insistentemente a propagação de um subproduto inerente à falta de perspectivas: muitas pessoas que permanecem em Michigan, às vezes pelo simples fato de não terem recursos para sair, se transformam em homeless ¿ sem-teto.

Há 80 mil dessas pessoas no estado, sendo que 18 mil delas vagam pelas ruas de Detroit ¿ a maioria em busca de uma ocupação e não de esmolas, como garantem as instituições que procuram acudi-las. Só menos da metade dessas pessoas contam com a garantia de uma cama e três refeições diárias em abrigos da cidade. Eles são insuficientes para atender à crescente demanda.

Um primeiro barraco de favelado já foi levantado num terreno baldio a apenas sete quadras da sede mundial da GM, no centro da cidade.

¿ Quarenta por cento das pessoas que nos procuram são famílias com crianças. Alguns homens e mulheres têm emprego. Mas não ganham o suficiente para manter uma casa. Foram despejados. A opção era comer ou pagar o aluguel, talvez uma hipoteca ¿ disse ao GLOBO Lynn Wilhelm, diretora da União de Abrigos Temporários, em Detroit, lembrando que Michigan é uma das áreas mais atingidas também pela crise imobiliária.

A vigília noturna da última quinta-feira tinha como meta adicional motivar quem ainda está empregado a contribuir como pudesse com os abrigos provisórios para homeless.

¿ Estamos num momento muito delicado em que a crise financeira atinge a todos. E isso acontece quando mais precisamos de ajuda. Mesmo assim temos obtido mais apoio de pessoas físicas do que de jurídicas ¿ contou Sam G. Joseph, presidente da Covenant House Michigan, que abriga jovens até 21 anos.

Das cinco instituições que socorrem os necessitados consultadas pelo GLOBO, só uma delas ¿ o Exército da Salvação ¿ registrava contribuições de pelo menos uma das três grandes fábricas americanas de automóveis.

As perspectivas de más notícias em breve são grandes. A tendência é a de que GM, Ford e Chrysler venham a anunciar pelo menos mais uma nova leva de demissões na primeira semana de dezembro. Uma das conclusões iniciais dessas corporações é a de que a única maneira para sobreviverem à crise será através da redução de suas operações.

35 fábricas fechadas em apenas 3 anos

Após ter falhado em convencer o Congresso americano em dois dias de audiências, para que lhes concedesse ajuda de emergência de US$25 bilhões, os presidentes das três montadoras voltaram a Detroit quinta-feira em busca de um plano B.

Ele foi exigido pelos próprios parlamentares, irritados com o fato de que os três executivos foram a Washington praticamente de mãos abanando. Levaram só a sua reivindicação financeira e uma lista de credores, na esperança de obter dinheiro público a tempo de saldar dívidas ¿ sem que corram risco de declarar falência. As empresas resistem ainda em fabricar carros mais econômicos, como quer o governo americano.

Os senadores não se comoveram, mandando-os de volta à suas sedes e lhes deram prazo de 12 dias para preparar solicitação coerente. Eles devem explicar detalhadamente como pretendem usar o dinheiro do contribuinte americano. Ou fazem isso ou serão deixados à sua própria sorte ¿ foi a ameaça feita pelos legisladores.

Ford e Chrysler ainda não se manifestaram. A GM acenou sexta-feira com a intenção de fechar mais unidades de produção (as três já fecharam 35 nos últimos três anos), para sua capacidade de produção se tornar mais condizente com suas vendas. Fontes da empresa disseram que a idéia seria a de parar de fabricar ¿algumas das nossas seis marcas distintas de veículos¿. Vem aí mais desemprego.